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Protestos em SP revelam os excessos da polícia

Éricka de Sá15 de junho de 2013

Com mundo de olho no Brasil pelos eventos esportivos, São Paulo vira palco de manifestações contra aumento na tarifa do transporte público. Para especialista, grande diferença social no país gera distorções no sistema.

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Foto: picture-alliance/AP

A Prefeitura de São Paulo convocou para a próxima terça-feira (18/06) uma reunião extraordinária do Conselho da Cidade – órgão consultivo composto por diversos representantes da sociedade civil – para discutir a questão do transporte público na capital paulista. Integrantes do Movimento Passe Livre (MPL), que organizou os recentes grandes protestos contra o aumento das passagens, foram convidados a participar do encontro e "explicar suas propostas e visões para o setor", segundo a prefeitura.

Desde que as tarifas do transporte público foram reajustadas em 20 centavos de real (subindo de 3 reais para 3,2 reais), no dia 2 de junho, quatro grandes protestos ganharam as ruas de São Paulo. O mais violento deles aconteceu no centro da cidade na quinta-feira passada e reuniu, segundo os organizadores, 15 mil pessoas – de acordo com a Polícia Militar (PM), foram apenas cinco mil. Manifestantes ocuparam as principais vias do centro. Eles foram reprimidos com violência pelas forças policiais, que usaram gás lacrimogêneo e balas de borracha na ação.

Na sexta-feira, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, defendeu a PM. "É dever da polícia proteger a população, garantir o direito de ir e vir, [o direito do] comércio abrir, preservar o patrimônio público e o patrimônio privado", disse Alckmin, rebatendo críticas de que a polícia fez uso de repressão violenta. Ele afirmou ainda que a Corregedoria da Polícia Militar está apurando os episódios de violência durante as manifestações.

Ao todo, mais de 200 pessoas foram detidas. Na quinta-feira, quatro foram presas em flagrante acusadas de formação de quadrilha, incitação ao crime e dano ao patrimônio público. Entre detidos e feridos estão vários jornalistas.

Protest in Brasilien Rio de Janeiro gegen höhere Fahrpreise im öffentlichen Verkehr
Protestos também ocorreram em outras cidades brasileiras, como no Rio de JaneiroFoto: picture-alliance/ZUMA Press

Protestos em apoio aos manifestantes paulistas foram registrados em outras grandes cidades, como Rio de Janeiro, Porto Alegre, Curitiba e Niterói. Manifestações em pelo menos 27 cidades de diferentes países do mundo estão sendo organizados.

Dada a preocupação com o início da Copa das Confederações, que começa neste sábado, o ministro dos Esportes, Aldo Rebelo, garantiu que os protestos não irão afetar o evento.

“O mundo perceberá que o Brasil não dispõe apenas dos direitos, mas também dos instrumentos capazes de conter qualquer tipo de abuso, seja por parte das manifestações ou da repressão”, afirmou Rebelo.

"Possível excesso policial"

A Prefeitura de São Paulo alega que o reajuste ficou abaixo da inflação acumulada desde janeiro 2011, quando houve o último aumento. Em coletiva à imprensa na quinta-feira, o prefeito Fernando Haddad reafirmou que o reajuste será mantido. Ele disse ainda que "São Paulo está acostumada a manifestações, mas a cidade não aceita a forma violenta de se manifestar e de se expressar".

No entanto, o prefeito admitiu um "possível excesso da força policial". A atuação da polícia também foi alvo de críticas do Ministério da Justiça e da Secretaria de Direitos Humanos.

Há seis anos, Raphael Tsavkko Garcia, 28 anos, participa do movimento contra o aumento do preço de passagens. Durante essa semana ele fotografou e gravou os protestos. "A brutalidade da polícia só foi crescendo. A ação de ontem [quinta-feira] foi desproporcional e brutal, sem qualquer tipo de provocação", disse Tsavkko à DW Brasil. "Foi um verdadeiro pânico, não tinha como fugir".

Alguns manifestantes foram flagrados destruindo lojas e incendiando ônibus, o que gerou muitas críticas ao movimento. Segundo Tsavkko, porém, as cenas de vandalismo foram cometidas apenas por um grupo isolado. Ele garante que a maioria dos manifestantes foi às ruas protestar de forma pacífica.

O operador do mercado financeiro Marcel Bari, 25, também compareceu aos protestos. Na quinta-feira, ele filmou a ação da tropa de choque contra um grupo de manifestantes desarmados. "A violência se entendeu por todo o centro durante horas. O intuito ali era reprimir as pessoas. Eles [os policiais] não estavam somente pensando em dispersar", contou Bari. Até a manhã deste sábado, o vídeo feito por ele já havia sido compartilhado por quase cem mil pessoas.

Jornalistas feridos

Profissionais da imprensa que acompanhavam as manifestações também acabaram atingidos – pelo menos 17 jornalistas ficaram feridos e outros três foram presos. A repórter Giuliana Vallone, da TV Folha (veículo da Folha de São Paulo), foi atingida por uma bala de borracha no rosto e precisou ser internada em um hospital. Em seu perfil no Facebook, a jornalista contou que, enquanto filmava a manifestação, foi ameaçada por um policial.

"Não vi nenhuma manifestação violenta ao meu redor, não me manifestei de nenhuma forma contra os policiais, estava usando a identificação da Folha e nem sequer estava gravando a cena. Vi o policial mirar em mim e no querido colega Leandro Machado e atirar", relatou Giuliana.

Em nota divulgada na tarde desta sexta-feira, a Federação Nacional dos Jornalistas responsabilizou as autoridades públicas federais, estaduais e municipais pela "gravidade da repressão policial" registrada na cidade. "Além da tentativa de criminalização do direito constitucional de livre manifestação, as inadmissíveis agressões e prisões de jornalistas no exercício de suas funções requerem uma ação imediata de interrupção de tais atentados à democracia e punição dos responsáveis por tais atos", traz a nota.

Proteste in Sao Paolo Fahrpreise Öffentlicher Nahverkehr
Policiais usaram gás lacrimogêneo e balas de borracha para conter manifestantesFoto: Nelson Almeida/AFP/Getty Images

Em entrevista à DW Brasil, o presidente da Fenaj, Celso Schröder, disse que o que se viu em São Paulo na última quinta-feira pode ser comparado a um cenário de guerra. "Do nosso ponto de vista, foi uma violência desnecessária e, principalmente, inaceitável no que diz respeito às agressões aos jornalistas", avaliou. "As imagens são muito claras e demonstram agressões a jornalistas claramente identificados. Portanto, não foi uma ação ocasional."

A Associação Nacional de Jornais também se manifestou por meio de nota. "A ação policial extrapolou o rigor cabível em ações voltadas à manutenção da ordem", afirmou o órgão.

Além dos 20 centavos

Para Marcel Bari, o protesto vai além do aumento de 20 centavos de real nas passagens. “[Pagar] 3,20 reais pelo péssimo transporte público que a gente vê em São Paulo... não tem como a gente continuar aceitando isso calado”, afirmou.

Queixas sobre a má qualidade do transporte público nas grandes cidades brasileiras são antigas. "Os protestos demoraram a aparecer, esse processo deficitário do sistema vem de longa data", avaliou o pesquisador Pastor Willy Gonzales Taco, da Universidade de Brasília.

Ele lembra que nas grandes cidades do mundo o transporte público é usado por pessoas de todas as classes. Mas, no Brasil, os principais usuários são pessoas de baixa renda – e isso, na visão do pesquisador, causa uma distorção do serviço. Diante das grandes diferenças sociais no país, a parcela da população que depende do transporte público gasta parte significativa do orçamento familiar com o pagamento de passagens. "O custo nas grandes capitais é altíssimo", disse Gonzales Taco, doutor em Engenharia de Transportes.

Na visão dele, três fatores levaram à atual situação do transporte público brasileiro: políticas públicas de incentivo à aquisição de carros; domínio de algumas empresas no mercado e que impossibilitam entrada de concorrentes internacionais; e falta de participação da sociedade nos processos decisórios.