Protestos em SP revelam os excessos da polícia
15 de junho de 2013A Prefeitura de São Paulo convocou para a próxima terça-feira (18/06) uma reunião extraordinária do Conselho da Cidade – órgão consultivo composto por diversos representantes da sociedade civil – para discutir a questão do transporte público na capital paulista. Integrantes do Movimento Passe Livre (MPL), que organizou os recentes grandes protestos contra o aumento das passagens, foram convidados a participar do encontro e "explicar suas propostas e visões para o setor", segundo a prefeitura.
Desde que as tarifas do transporte público foram reajustadas em 20 centavos de real (subindo de 3 reais para 3,2 reais), no dia 2 de junho, quatro grandes protestos ganharam as ruas de São Paulo. O mais violento deles aconteceu no centro da cidade na quinta-feira passada e reuniu, segundo os organizadores, 15 mil pessoas – de acordo com a Polícia Militar (PM), foram apenas cinco mil. Manifestantes ocuparam as principais vias do centro. Eles foram reprimidos com violência pelas forças policiais, que usaram gás lacrimogêneo e balas de borracha na ação.
Na sexta-feira, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, defendeu a PM. "É dever da polícia proteger a população, garantir o direito de ir e vir, [o direito do] comércio abrir, preservar o patrimônio público e o patrimônio privado", disse Alckmin, rebatendo críticas de que a polícia fez uso de repressão violenta. Ele afirmou ainda que a Corregedoria da Polícia Militar está apurando os episódios de violência durante as manifestações.
Ao todo, mais de 200 pessoas foram detidas. Na quinta-feira, quatro foram presas em flagrante acusadas de formação de quadrilha, incitação ao crime e dano ao patrimônio público. Entre detidos e feridos estão vários jornalistas.
Protestos em apoio aos manifestantes paulistas foram registrados em outras grandes cidades, como Rio de Janeiro, Porto Alegre, Curitiba e Niterói. Manifestações em pelo menos 27 cidades de diferentes países do mundo estão sendo organizados.
Dada a preocupação com o início da Copa das Confederações, que começa neste sábado, o ministro dos Esportes, Aldo Rebelo, garantiu que os protestos não irão afetar o evento.
“O mundo perceberá que o Brasil não dispõe apenas dos direitos, mas também dos instrumentos capazes de conter qualquer tipo de abuso, seja por parte das manifestações ou da repressão”, afirmou Rebelo.
"Possível excesso policial"
A Prefeitura de São Paulo alega que o reajuste ficou abaixo da inflação acumulada desde janeiro 2011, quando houve o último aumento. Em coletiva à imprensa na quinta-feira, o prefeito Fernando Haddad reafirmou que o reajuste será mantido. Ele disse ainda que "São Paulo está acostumada a manifestações, mas a cidade não aceita a forma violenta de se manifestar e de se expressar".
No entanto, o prefeito admitiu um "possível excesso da força policial". A atuação da polícia também foi alvo de críticas do Ministério da Justiça e da Secretaria de Direitos Humanos.
Há seis anos, Raphael Tsavkko Garcia, 28 anos, participa do movimento contra o aumento do preço de passagens. Durante essa semana ele fotografou e gravou os protestos. "A brutalidade da polícia só foi crescendo. A ação de ontem [quinta-feira] foi desproporcional e brutal, sem qualquer tipo de provocação", disse Tsavkko à DW Brasil. "Foi um verdadeiro pânico, não tinha como fugir".
Alguns manifestantes foram flagrados destruindo lojas e incendiando ônibus, o que gerou muitas críticas ao movimento. Segundo Tsavkko, porém, as cenas de vandalismo foram cometidas apenas por um grupo isolado. Ele garante que a maioria dos manifestantes foi às ruas protestar de forma pacífica.
O operador do mercado financeiro Marcel Bari, 25, também compareceu aos protestos. Na quinta-feira, ele filmou a ação da tropa de choque contra um grupo de manifestantes desarmados. "A violência se entendeu por todo o centro durante horas. O intuito ali era reprimir as pessoas. Eles [os policiais] não estavam somente pensando em dispersar", contou Bari. Até a manhã deste sábado, o vídeo feito por ele já havia sido compartilhado por quase cem mil pessoas.
Jornalistas feridos
Profissionais da imprensa que acompanhavam as manifestações também acabaram atingidos – pelo menos 17 jornalistas ficaram feridos e outros três foram presos. A repórter Giuliana Vallone, da TV Folha (veículo da Folha de São Paulo), foi atingida por uma bala de borracha no rosto e precisou ser internada em um hospital. Em seu perfil no Facebook, a jornalista contou que, enquanto filmava a manifestação, foi ameaçada por um policial.
"Não vi nenhuma manifestação violenta ao meu redor, não me manifestei de nenhuma forma contra os policiais, estava usando a identificação da Folha e nem sequer estava gravando a cena. Vi o policial mirar em mim e no querido colega Leandro Machado e atirar", relatou Giuliana.
Em nota divulgada na tarde desta sexta-feira, a Federação Nacional dos Jornalistas responsabilizou as autoridades públicas federais, estaduais e municipais pela "gravidade da repressão policial" registrada na cidade. "Além da tentativa de criminalização do direito constitucional de livre manifestação, as inadmissíveis agressões e prisões de jornalistas no exercício de suas funções requerem uma ação imediata de interrupção de tais atentados à democracia e punição dos responsáveis por tais atos", traz a nota.
Em entrevista à DW Brasil, o presidente da Fenaj, Celso Schröder, disse que o que se viu em São Paulo na última quinta-feira pode ser comparado a um cenário de guerra. "Do nosso ponto de vista, foi uma violência desnecessária e, principalmente, inaceitável no que diz respeito às agressões aos jornalistas", avaliou. "As imagens são muito claras e demonstram agressões a jornalistas claramente identificados. Portanto, não foi uma ação ocasional."
A Associação Nacional de Jornais também se manifestou por meio de nota. "A ação policial extrapolou o rigor cabível em ações voltadas à manutenção da ordem", afirmou o órgão.
Além dos 20 centavos
Para Marcel Bari, o protesto vai além do aumento de 20 centavos de real nas passagens. “[Pagar] 3,20 reais pelo péssimo transporte público que a gente vê em São Paulo... não tem como a gente continuar aceitando isso calado”, afirmou.
Queixas sobre a má qualidade do transporte público nas grandes cidades brasileiras são antigas. "Os protestos demoraram a aparecer, esse processo deficitário do sistema vem de longa data", avaliou o pesquisador Pastor Willy Gonzales Taco, da Universidade de Brasília.
Ele lembra que nas grandes cidades do mundo o transporte público é usado por pessoas de todas as classes. Mas, no Brasil, os principais usuários são pessoas de baixa renda – e isso, na visão do pesquisador, causa uma distorção do serviço. Diante das grandes diferenças sociais no país, a parcela da população que depende do transporte público gasta parte significativa do orçamento familiar com o pagamento de passagens. "O custo nas grandes capitais é altíssimo", disse Gonzales Taco, doutor em Engenharia de Transportes.
Na visão dele, três fatores levaram à atual situação do transporte público brasileiro: políticas públicas de incentivo à aquisição de carros; domínio de algumas empresas no mercado e que impossibilitam entrada de concorrentes internacionais; e falta de participação da sociedade nos processos decisórios.