Literatura infantil
4 de dezembro de 2007"Gostaria de ser um crocodilo porque amo os grandes rios, pois são profundos como a alma de um homem. Na superfície são muito vivazes e claros, mas nas profundezas são tranqüilos e escuros como o sofrimento dos homens." A frase do escritor brasileiro João Guimarães Rosa é lembrada com prazer por outro João Guimarães, o autor do audiolivro infantil A Magia de Zinho.
Gaúcho radicado em Berlim há 16 anos, ele conta que começou por acaso a colecionar crocodilos e jacarés. "Quando meus filhos nasceram, resolvi escrever um livro sobre o assunto. Encontrei duas histórias da minha infância sobre jacarés. Uma delas gira em torno do personagem João, que foi trabalhar como mordomo de um homem rico em Londres e este homem era um colecionador de jacarés. Foi a partir daí que surgiu a história do Zinho, cujo texto foi criado a partir do repertório da minha infância com as ilustrações de hoje", descreve o autor.
A Magia de Zinho, um audiolivro acompanhado de booklet, chegou ao mercado através da horchideen, uma editora alemã "que se interessa, basicamente, por literatura infantil, embora o foco não seja necessariamente direcionado para o Brasil. Acima de tudo, os desenhos maravilhosos de Zinho nos convenceram, além da história e da forma como é contada", conta Yasmin Alinaghi, responsável pela publicação.
Pajelança
Uma das peculiaridades de Zinho, além do cuidado visual das ilustrações (que são, assim como o texto, assinadas por Guimarães), é a idéia de transmitir aos pequenos leitores na Alemanha detalhes da cultura brasileira, como rituais indígenas e a própria existência de um pajé, também personagem da história. Não à-toa, o autor dedica seu audiolivro "a todas as crianças que crescem entre duas culturas distintas".
Depois de ter sido raptado e levado por um homem para a cidade grande, onde é criado numa banheira, o jacaré Zinho acaba sendo levado de volta para o Vale do Murumuru – o momento da história em que os leitores alemães podem partilhar de uma pajelança.
Os sons da floresta que acompanham a narração no audiolivro foram extraídos de uma peça eletroacústica do compositor Eduardo Reck Miranda (brasileiro radicado na Inglaterra). A idéia, conta Guimarães, é organizar leituras para crianças, acompanhadas da reprodução dos sons, num projeto que começou em Berlim e poderá se expandir para outras cidades do país.
África como cenário
Do mesmo projeto de leituras participa também outro brasileiro radicado na capital alemã, o carioca Ras Adauto, autor de Kuntaré, o menino-elefante, um trabalho conjunto com o ilustrador cubano José Sanchez Curuneaux, editado pela Projekte-Verlag.
No livro, Adauto conta as peripécias dos inseparáveis Kuntaré e Kunté, um menino e um elefante, respectivamente. Situada num povoado africano, a história contém momentos de apreensão, provocados por homens armados, caçadores de marfim preparados para saquear e roubar.
Salvos pela força da água jogada pela tromba de Kunté, os dois protagonistas terminam celebrando "uma grande festa para sempre", ancorada principalmente na compreensão entre o animal (Kunté) e o homem (Kuntaré), que conseguia se comunicar com o amigo "na língua dos elefantes" (daí a suspeita de que ele seja "um elefante no corpo de um menino).
"À primeira vista, há um certo estranhamento por parte de algumas crianças em relação ao protagonista negro Kuntaré, com seus olhos acentuados. Mas ampliar a galeria de personagens que podem povoar a imaginação infantil contribui para discutir a questão da diferença, um tema tão atual e pertinente na Alemanha", resume Adauto, que pensa, inclusive, em transformar as peripécias de seu menino-elefante num filme de animação.