Nem sempre o melhor amigo...
2 de abril de 2003Capazes de cutucar até as mais profundas camadas do baú da memória de um adulto, as fábulas correm o risco de ser apagadas aos poucos do repertório infantil. Em uma sociedade que estimula os sentidos à exaustão, apelando para uma overdose de imagens e movimento, a concentração da criança em um único livro - imóvel - torna-se cada vez mais difícil.
Atrás de cada página, esconde-se um arsenal infindável de fantasia. Para adentrá-lo, no entanto, os baixinhos precisam adquirir o hábito da leitura. Foi pensando nisso que se criou, já nos idos de 1967, o Dia Mundial do Livro Infantil, comemorado especialmente no aniversário do mestre Hans Christian Andersen (nascido a 2 de abril de 1805), o célebre autor de Patinho Feio, Soldadinho de Chumbo e Sapatinhos Vermelhos, entre muitos outros.
Discrepância -
Devido ao mau resultado dos alunos alemães no relatório anual da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) sobre o ensino nos países industrializados, pais e mestres vêem com cada vez mais urgência a necessidade de incentivar a leitura na Alemanha. "A situação é assim: basicamente, a competência das crianças na leitura não diminuiu nas últimas décadas. O que aumentou foi a discrepância entre as crianças que sabem ler e interpretar muito bem - entre elas algumas que até já dominam uma língua estrangeira - e outras que mal conseguem se articular", analisa Christoph Schäfer, da Fundação Leitura, de Mainz.Mercado -
Considerando os déficits apontados nos sistemas escolar e acadêmico alemães, a hipótese mais provável seria a de que os departamentos infantis das livrarias do país vivessem às moscas. Muito antes pelo contrário: enquanto o resto do mercado editorial reclama de uma recessão nunca antes vivida, o faturamento do setor de livros infantis e infanto-juvenis cresceu em 2002. Uma das razões para a felicidade dos comerciantes do ramo foi o lançamento no mercado do pequeno Harry Potter, que atingiu na Alemanha recordes nunca registrados por qualquer outro livro infantil: 170 milhões de exemplares vendidos, segundo informações da editora Carlsen.Técnica e história -
As crianças alemãs, de acordo com especialistas, não lêem apenas histórias de ficção, mas voltam-se cada vez mais para livros, por exemplo, sobre técnica ou história. Ursula Posthofen, coordenadora do departamento infantil da Livraria Goltsteinstrasse, em Colônia, observa: "Cada criança é de um jeito. Há aquelas que não suportam histórias que envolvam um pouco de tensão, outras só querem coisas realistas, algumas preferem algo do gênero policial e há outras que querem enredos relacionados a seu dia-a-dia".Despertar a criatividade -
A Fundação Leitura apóia projetos no país que se destinam a buscar os baixinhos de volta ao livro. Com esse objetivo, foi fundado, há um ano, um clube de voluntários, dispostos a ir até jardins-de-infância promover rodas de leitura com as crianças. "O mais importante é despertar a criatividade, fazendo com que elas tomem iniciativa por conta própria, através de projetos como o Escreva aí uma historinha até o fim. Trata-se de despertar uma energia que está ali e que é extremamente importante, por ampliar os horizontes, motivar e fazer com que as crianças adquiram vontade de ler. Um desejo que deverá ser mantido pelo menos a médio prazo", conclui Schäfer.Dessa forma, procura-se fazer com que a meninada passe a acreditar de novo naquilo que o autor brasileiro de livros infantis Marcelo Xavier mostra em seu Asa de Papel: faça chuva ou faça sol, o livro é o seu melhor amigo. Afinal, ler é também a grande possibilidade de aprender o que Paulo Tatit e Sandra Peres dizem na canção Gramática: "O substantivo é o substituto do conteúdo / O adjetivo é nossa impressão sobre quase tudo / O diminutivo é o que aperta o mundo e deixa miúdo / O imperativo é o que aperta os outros e deixa mudo".