Aumento da renda não reduz destruição ambiental na América Latina
31 de outubro de 2004Nos últimos 30 anos, as condições ambientais na América Latina pioraram continuamente, contrariando uma tendência verificada nos países industrializados de melhora a partir de um certo nível de renda per capita. A degradação do meio ambiente não só piora a qualidade de vida, como provoca prejuízos econômicos. As estratégias de desenvolvimento sustentável têm crescente aceitação por parte da população, mas, em muitos casos, existe um abismo profundo entre a teoria dos projetos e a sua execução na realidade.
Estas são as principais conclusões do professor de Economia do Desenvolvimento Hartmut Sangmeister, da Universidade de Heildelberg, em artigo que acaba de ser publicado pelo Instituto de Estudos Ibero-Americanos de Hamburgo. Sua análise baseia-se, entre outras fontes, no 3º Informe Global sobre o Meio Ambiente (GEO 3) do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Unep), publicado há dois anos.
O GEO 3 apontou como principais causas da degradação ambiental na América Latina e no Caribe o crescimento demográfico, a crescente desigualdade social, deficiências na ocupação do solo – sobretudo urbano – e a persistente dependência de muitas economias da exploração dos recursos naturais.
Perigos para a saúde e perdas econômicas
De acordo com o GEO 3, na América Latina ocorrem mais de 40% das perdas mundiais de florestas naturais. Mais de 300 milhões de hectares de terra já estão degradados na região e quase 30% dos recifes de corais no Caribe estão ameaçados de desaparecer.
Nas cidades, onde vivem 75% dos latino-americanos, a população está exposta a sérios riscos de doenças, particularmente devido à contaminação do ar e da água e do precário tratamento de resíduos.
A região também é cada vez mais castigada por catástrofes naturais, em parte atribuídas às mudanças climáticas, e que afetam principalmente as populações mais pobres da periferia dos grandes centros. O Unep estima que, somente em 2001, o prejuízo econômico provocado por enchentes, ciclones, terremotos e desabamentos foi superior a quatro bilhões de dólares.
Renda e emissões de CO2 aumentam
Segundo Sangmeister, ao contrário do que se tem verificado em países industrializados, na América Latina não se confirma a tendência de que as emissões de dióxido de carbono (CO2) sobem com o aumento da renda até certo nível, mas voltam a cair depois que esta atinge um patamar elevado.
"Na América Latina e no Caribe, nota-se um aumento constante das emissões CO2, paralelamente ao aumento da renda per capita, embora as emissões sejam menores do que nas regiões do Leste Asiático e do Pacífico", afirma. O surpreendente é que na maioria dos países latino-americanos as emissões continuaram aumentando até mesmo quando a renda sofreu quedas na década de 1990, acrescenta.
O maior emissor de CO2 da região é o Brasil, com 308 milhões de toneladas em 2002, sendo responsável por 23% do total da América Latina e do Caribe. O maior poluidor per capita, porém, é Trinidad e Tobago, com sua indústria petroquímica. O Uruguai é um dos poucos países da região em que as emissões de CO2 diminuíram em relação à renda nas últimas décadas.
Segundo estimativas do Banco Mundial, sem contar a piora da qualidade de vida, os prejuízos econômicos causados pelas emissões de dióxido de carbono já atingiam 0,4% (mais de 8 bilhões de dólares) do PIB da região em 1999.
Muito discurso, pouca prática
Talvez por isso, diz Sangmeister, grupos da sociedade civil e organizações não governamentais mobilizam-se para combater comportamentos danosos ao meio ambiente e exigir das autoridades uma aplicação efetiva da legislação ambiental vigente.
Quase todos os países da região têm instituições governamentais de proteção ao meio ambiente e projetos de desenvolvimento sustentável, refletindo em seus programas e estratégias as diretrizes das convenções internacionais.
O Brasil, por exemplo, prometeu investir 110 milhões de euros este ano no controle do desmatamento da Floresta Amazônica, mas pede uma espécie de indenização internacional para esse investimento, argumentando que a Amazônia presta um enorme serviço à humanidade.
"Essa reivindicação seria justa num sistema cooperativo de preservação dos bens públicos, se a comunidade internacional tivesse fechado com o Brasil um acordo de compensação para o gerenciamento da floresta tropical como pulmão para o CO2. Tal acordo, porém, não existe, pois ninguém está disposto a fazer concessões", critica Sangmeister.
Ele adverte também que, em muito casos, quando há acordo, "a letra e sua aplicação divergem". A falta de recursos e a resistência de grupos de interesses limitam a implementação das regulamentações e a capacidade de imposição das autoridades ambientais.
A América Latina precisa crescer economicamente, ressalta o pesquisador, "mas decisiva é a qualidade desse crescimento. Para que seja sustentável, o crescimento deve ser mais desvinculado do que até agora da exploração dos recursos naturais".
Empresas resistem
As reformas neoliberais dos últimos anos não foram capazes de mudar esse quadro. "O desenvolvimento econômico determinado exclusivamente pelas forças de livre mercado não pode ser sustentável, já que as empresas tendem a resistir às regulamentações ambientais, com êxito proporcional a seu poder no mercado", afirma Sangmeister. Por isso, conclui, "uma política de competitividade que funcione é um elemento essencial para uma política econômica orientada pela sustentabilidade".