Ato relembra 50 anos do golpe diante de antigo centro de tortura em SP
31 de março de 2014Ao som de músicas de Chico Buarque, consideradas hinos da resistência à ditadura, centenas de pessoas participaram nesta segunda-feira (31/03) de um ato para relembrar os 50 anos do golpe militar. O evento foi realizado em São Paulo, diante da antiga sede do DOI-Codi, centro de tortura nos Anos de Chumbo.
Em um manifesto, grupos pediram a reinterpretação da Lei da Anistia, a punição dos torturadores e abertura dos arquivos da ditadura. "Estamos aqui para lamentar essa data, que é o dia da vergonha nacional", gritaram, em coro, os participantes do evento.
Além disso, reforçaram a demanda de retirar a delegacia de polícia que atualmente funciona no terreno e transformar as instalações num memorial em homenagem às vitimas. Tombado no início do ano, o local foi palco da morte de 52 presos políticos, como o jornalista Vladimir Herzog. Ali também ficou detida, em 1970, a presidente da República, Dilma Rousseff.
Para Rosa Cardoso, membro da Comissão Nacional da Verdade, a realização do ato no local é simbólico. "Foi um centro de referência em tortura e extermínio. Aqui se criou toda uma tecnologia mais científica e rigorosa de arrancar informações", assegura.
O evento reuniu familiares de desaparecidos e ex-presos políticos, que carregavam fotos das vítimas. O nome de cada um dos mortos no local foi lido no ato, ao que o público respondia com um sonoro "presente" e punhos em riste.
Pátio
Os organizadores montaram uma grande estrutura no pátio do antigo DOI-Codi. Ali, segundo relatos de ex-militantes, era comum ver presos espancados e corpos de vítimas. No mesmo local, durante toda a manhã, se apresentaram grupos de teatro e música.
Participantes espalharam cartazes pelas paredes dos edifícios, com dizeres como "punição aos torturadores", "centro de extermínio" e "não esquecemos, verdade e justiça". A delegacia permaneceu aberta, mas os policiais não apareceram no pátio durante o ato.
Ao tocar a Internacional Socialista, antigo hino da esquerda, muitos dos presentes se emocionaram. "A música era cantada por todos os presos políticos, nos presídios. Tem esse significado na ditadura. Não é uma provocação", disse o presidente da Comissão da Verdade paulista, Adriano Diogo.
Deputado estadual pelo PT, Diogo foi torturado por três meses numa solitária no DOI-Codi. "Até hoje eu passo mal, e eu fui preso há 41 anos. Eu não perdi totalmente o medo, os traumas. Há três noites que eu não durmo, que estou agitado", afirma.
Tortura
A sensação de mal-estar e a emoção é comum a outros ex-presos políticos e seus familiares. Maria Lucia Paiva Mesquita Barros, de 81 anos, não consegue conter o choro. A irmã do ex-deputado Rubens Paiva, morto pelo regime militar, diz que os familiares "sentem a injustiça na carne". "É uma tortura não ter uma resposta, você sofre a vida inteira."
Anivaldo Padilha, de 74 anos, voltou pela primeira vez ao antigo DOI-Codi, onde foi torturado por vários dias. No total, ele ficou preso por três meses até deixar o país. Só pôde conhecer o filho, o pré-candidato ao governo paulista e ex-ministro da Saúde Alexandre Padilha (PT), quando este tinha 8 anos. Com a voz embargada e as lágrimas no rosto, Anivaldo lembra dos companheiros mortos e das torturas. "Estou muito emocionado de estar aqui. Me dá uma sensação de vitória. Eu sobrevivi", afirma.
Anivaldo conta que tentou várias terapias para superar o trauma, mas foi o perdão a forma mais eficaz de lidar com o passado. "Era a única maneira de vencê-los novamente, porque eles continuavam a me torturar. O perdão, às vezes, é mais importante para quem perdoa do que para quem é perdoado. Não vou ter prazer nenhum em vê-los atrás das grades, mas o crime que eles cometeram é contra a humanidade e, por isso, precisam ser punidos por um Estado de Direito", defende.
Políticos
O evento contou com a presença do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT). Ele se mostrou favorável à criação de um memorial no antigo DOI-Codi. "Uma maneira de não repetir o erro da ditadura é manter a memória viva. Tudo que puder ser feito para isso é útil e educativo para a sociedade", disse.
Alexandre Padilha também compareceu ao ato e lembrou da infância durante a ditadura: "Eu e a minha mãe tínhamos que nos mudar de casa a cada mês. O meu pai podia me enviar cartas, mas eu não podia encontrá-lo. As lembranças que eu tenho me ajudaram a ter valores mais firmes sobre a democracia, o diálogo e o respeito à diversidade de opiniões."
Para o pré-candidato, grande parte da sociedade brasileira não sabia dos crimes da ditadura e precisa ser informada desse passado: "É importante contar a nossa história e, sobretudo, manter viva a chama da democracia. Acho que esse é o papel dos 50 anos do golpe."