"Ataque é inaceitável, mas falta cautela a ministros do STF"
18 de julho de 2023Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) voltaram a ser notícia na semana passada por suas atuações fora da Corte. Na última quarta-feira (12/07), durante o congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE) em Brasília, Luís Roberto Barroso afirmou a estudantes: "Nós derrotamos a ditadura e o bolsonarismo". Dois dias depois, Alexandre de Moraes e seus familiares foram hostilizados no aeroporto de Roma.
Em entrevista à DW, Emilio Meyer, professor de direito constitucional da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), diz ver uma possível correlação entre os dois atos, ressaltando que "não é porque a corte toma uma posição indevida em termos de engajamento político que seria possível e aceitável um ato de violência".
Ele avalia que a fala de Barroso no congresso da UNE foi equivocada, ainda que o ex-presidente Jair Bolsonaro e parte dos seus eleitores tenham agido de forma extremista nos últimos anos. "Se o próprio ministro tivesse trocado a expressão para alguma coisa no sentido de que houve uma derrota do extremismo, da radicalização, ele se envolveria menos num contexto de discussão política", diz.
Meyer ressalta que o processo de politização do STF não é recente e acontece no vácuo de atuação deixado pelo Executivo e Legislativo. "A corte passa a ser provocada, pós-1988, por uma série de processos que são políticos. Que julga deputados, senadores, presidentes da República em crimes comuns... A abertura dessas competências, atrelada a uma certa espera de que ela devesse tomar decisões que cabiam ao Executivo ou ao Legislativo, vai mudando a configuração de sua atuação."
DW: Como analisa a manifestação recente do ministro Barroso sobre "derrotamos o bolsonarismo"?
Emilio Meyer: A manifestação do ministro Barroso, no sentido de que a corte ou um grupo de instituições teria derrotado o bolsonarismo, é uma manifestação inadequada em relação ao modo como um ministro do Supremo ou mesmo um juiz poderia se manifestar em termos políticos. Um pouco mais de autorrestrição seria bastante salutar. Se o próprio ministro tivesse trocado a expressão para alguma coisa no sentido de que houve uma derrota do extremismo, da radicalização, ele se envolveria menos num contexto de discussão política e traria para si uma menor crítica das diversas entidades da sociedade civil e até de instituições. Ele mesmo depois tenta fazer a correção, uma nota pública.
Há uma associação, sim, de fato, de um extremismo político com o bolsonarismo. Mas a frase não cabe bem nas palavras de um ministro do Supremo.
Ela indica uma politização da corte?
Ela é indicativa, sim, de um engajamento com a política de ministros do Supremo, que pode sim ser criticado. Seria melhor que isso não acontecesse de uma maneira em que a imparcialidade pudesse ser colocada em jogo. Há uma manifestação excessiva e que antecede, por exemplo, o julgamento do inquérito das fake news e das possíveis ações penais sobre o 8 de Janeiro.
Há relação dessa fala e a agressão sofrida por Alexandre de Moraes na Europa?
Pode ser que a agressão ao ministro Alexandre seja uma consequência exacerbada, uma reação, à fala do ministro Barroso, mas isso não se justifica em hipótese alguma. Não é porque a corte toma uma posição indevida em termos de engajamento político, algo que acontece por parte do Gilmar Mendes e outros ministros, que seria possível e aceitável um ato de violência, um crime, contra algum outro ministro da corte. Essa ligação pode ser percebida, mas nunca justificada.
O que essa agressão nos diz sobre o bolsonarismo e sua relação com o STF?
O ministro Alexandre de Moraes é até mais contido que o ministro Barroso. Mas a violência, o modo como ele foi tratado, é uma característica do bolsonarismo, com a permissividade em relação a violência política, institucional, como se fosse justificativa para uma suposta ação indevida da corte.
Como a politização no Supremo vem evoluindo?
Há uma mudança nesse sentido a partir da década de 90, com uma composição de ministros mais envolvidos com posicionamento político para além de tomada de decisão dentro dos autos. Mas esse não é um processo capitaneado apenas pelo Supremo do ponto de vista de um ativismo judicial. A corte passa a ser provocada, pós-1988, por uma série de processos que são políticos. Que julga deputados, senadores, presidentes da República em crimes comuns... A abertura dessas competências da corte, atrelada a uma certa espera de que ela devesse tomar decisões que cabiam ao Executivo ou ao Legislativo, vai mudando a configuração de sua atuação. Mas ainda acho que falta uma cautela aos ministros, mas que não deve ser respondida com violência.
O que aconteceu é que durante o governo Bolsonaro o ex-presidente viu uma série de obstáculos colocados dentro da legalidade como se fossem ataques a ele. A maneira como Bolsonaro deixou de cumprir certas prerrogativas vai dizer para essas pessoas que agredir ministros é aceitável.