Após tomada de Cabul pelo Talibã, aeroporto é palco de caos
16 de agosto de 2021Tropas americanas dispararam tiros para o alto, e todos os voos comerciais foram cancelados no aeroporto de Cabul nesta segunda-feira (16/08), onde milhares de afegãos se amontoavam na esperança de embarcar em qualquer voo no dia seguinte à tomada do poder pelo Talibã.
Ao menos cinco pessoas foram mortas ao tentar entrar em aviões, relataram testemunhas à agência de notícias Reuters. Uma das testemunhas disse ter visto os corpos de cinco pessoas serem levados para um veículo. Outra testemunha disse não estar claro se as vítimas foram atingidas por tiros ou morreram pisoteadas.
Imagens dramáticas postadas em redes sociais mostram caos na pista de pouso, com civis tentando desesperadamente subir numa escada e embarcar num avião de passageiros e escapar da cidade no dia seguinte ao colapso do governo. Outros vídeos postados na internet mostram pessoas tentando se agarrar a um avião.
Uma correspondente da emissora pública alemã ARD compartilhou imagens em que tiros podem ser ouvidos:
Um militar americano disse à Reuters que a multidão estava fora de controle. "Os disparos foram apenas para desarmar o caos."
"Estou muito assustada aqui. Estão disparando muitos tiros para o ar", disse uma testemunha em meio a tentativas de soldados americanos de restaurar a ordem.
Um vídeo gravado por um jornalista afegão mostra multidões correndo para o aeroporto com bagagens lotadas e crianças assustadas:
"Os talibãs venceram"
O caos no aeroporto teve início horas depois de líderes do Talibã ordenarem a entrada de seus combatentes em Cabul após o presidente afegão, Ashraf Ghani, fugir. "Os talibãs venceram com o julgamento de suas espadas e armas, e agora são responsáveis pela honra, propriedade e autopreservação de seus compatriotas", disse Ghani após deixar o país.
O grupo radical islâmico tomou Cabul após uma ofensiva-relâmpago e sem enfrentar resistência significativa, 20 anos depois de ser expulso da capital por uma coalizão liderada pelos Estados Unidos. As forças de segurança afegãs treinadas pelo Ocidente colapsaram em poucos dias, mesmo antes da conclusão da retirada das tropas americanas do país, iniciadas em maio e com prazo final previsto para 31 de agosto.
Apesar das duas décadas de suporte militar e do investimento de bilhões de dólares, os EUA falharam na tentativa de estabelecer um governo democrático no Afeganistão capaz de resistir ao Talibã.
"Estamos com medo de viver nesta cidade"
O Departamento de Estado americano disse nesta segunda que tropas estavam protegendo o perímetro do aeroporto enquanto retiravam do país tanto funcionários de sua embaixada quanto milhares de afegãos que trabalharam para os interesses de Washington desde que os EUA derrubaram o Talibã após o atentado de 11 de setembro de 2001.
Os EUA enviaram 6 mil militares ao Afeganistão para ajudar na evacuação. Segundo o governo americano, milhares de cidadãos americanos, funcionários da embaixada local e seus familiares e outros "cidadãos afegãos vulneráveis" serão retirados do país nos próximos dias.
A embaixada dos EUA em Cabul pediu, via Twitter, que cidadãos americanos e afegãos não se dirigissem para o aeroporto. Mas milhares de afegãos, muitos sem conexão com a coalizão liderada pelos EUA, foram ao local com a esperança de escapar, mesmo sem terem passagens ou vistos para viajar ao exterior.
"Estamos com medo de viver nesta cidade", disse um homem de 25 anos. "Li no Facebook que o Canadá está aceitando refugiados do Afeganistão", acrescentou ele, que, assim como muitos outros, acreditou em rumores ou fake news espalhados nas redes sociais. "Como servi ao Exército, é perigoso. Eu definitivamente seria alvo do Talibã."
A embaixada dos EUA disse ter transferido todos os funcionários da representação diplomática para o aeroporto e que estes estavam sendo mantidos separados dos que não têm permissão para viajar.
O governo da chanceler federal alemã, Angela Merkel, planeja enviar soldados para o Afeganistão para ajudar a retirar cidadãos alemães e afegãos ameaçados pelo Talibã, disseram fontes parlamentares nesta segunda. Outros países também anunciaram ou já deram início a operações para retirar seus cidadãos do Afeganistão, como Itália e Reino Unido.
Temor de retrocessos
Do lado de fora do aeroporto, uma calma inquietante tomou conta de Cabul nesta segunda, enquanto insurgentes talibãs armados patrulhavam as ruas e montavam postos de controle, e a maioria da população se escondia em suas casas.
Houve relatos isolados de saques e homens armados batendo em portas. Um porta-voz do Talibã tuitou que os combatentes do grupo foram instruídos a não entrar em nenhuma casa sem permissão e a proteger "a vida, a propriedade e a honra".
Numa mensagem postada em redes sociais, o cofundador do Talibã, Abdul Ghani Baradar, pediu que seus combatentes permanecessem disciplinados após assumirem o controle sobre a capital. "Agora temos que mostrar que podemos servir à nossa nação e garantir a segurança e uma vida confortável", disse.
O Talibã também afirmou que permaneceria fora do complexo diplomático que abriga a embaixada dos EUA para não causar confusão ou problemas.
Os talibãs ocuparam Cabul pela primeira vez em outubro de 1996 e, pelos cinco anos seguintes, lideraram um regime totalitário que ficou conhecido pela repressão brutal a mulheres – simbolizada pela imposição da burca – e pela aplicação de uma versão extremamente arcaica e tirânica do islã. Suspeitos de cometer crimes estavam sujeitos à amputação ou execução em público.
O Talibã também abrigou a Al Qaeda, de Osama Bin Laden, nos anos antes de a organização fundamentalista islâmica executar os ataques de 11 de Setembro. O atentado desencadeou a invasão americana ao Afeganistão, a qual rapidamente sufocou a Al Qaeda e removeu o Talibã do poder.
Nos últimos anos, o grupo islâmico tentou se mostrar mais moderado, mas muitos afegãos demonstram ceticismo quanto a isso e temem um retrocesso em termos de direitos individuais.
Hoje Cabul é uma cidade de 5 milhões de habitantes, onde veículos de luxo e SUVs circulam em meio a congestionamentos. Muitos dos combatentes do Talibã vêm de áreas rurais sem eletricidade ou água encanada e estão vendo uma cidade moderna pela primeira vez.
lf/ek (AFP, Reuters, AP)