Após longa pausa, Wim Wenders lança drama em 3D
3 de abril de 2015Wim Wenders está de volta. É claro que nos últimos anos o diretor alemão esteve sempre presente nos palcos mundiais do cinema. Ele filmou documentários notáveis – sendo o mais recente O sal da terra, sobre o fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado –, recebeu diversos prêmios, viajou de festival a festival e se dispôs a responder às perguntas de estudantes de cinema de todo o mundo. O cineasta se transformou num embaixador da sétima arte.
Portanto, Wenders nunca se foi. Mas uma coisa faltava nas quase três décadas desde sua última obra-prima, Asas do desejo, de 1987: o poder mágico das imagens em seus longas de ficção.
Com obras como O amigo americano, O estado das coisas e, claro, Paris, Texas, o cineasta de Düsseldorf deixou seu nome marcado na história do cinema moderno. Como características distintivas, seu estilo visual, a fantástica segurança no lidar com imagem, som, música e movimento.
Ao contrário de seus magistrais documentários, faltavam aos trabalhos ficcionais que Wenders levou às telas nos últimos anos algo absolutamente decisivo: a fé no poder das imagens. Seus filmes pareciam cerebrais e forçados.
Com frequência, ele refletiu, nessas obras, sobre o cinema enquanto linguagem, fazendo seus próprios protagonistas tomarem a câmera na mão e filosofarem sobre o mundo da mídia. De início, era uma brincadeira interessante, um jogo intelectual, assunto para cinéfilos e teóricos de mídia. Mas nada disso fez bem aos filmes em si.
De volta ao poder das imagens
Com Every thing will be fine ("Tudo vai ficar bem, em tradução livre), o diretor deixa agora tais joguinhos para trás. Ele retornou às histórias aparentemente simples de suas primeiras produções, voltou a ter confiança em suas imagens e na história contada em filme.
"Apesar da inundação de fotos e filmes digitais, penso que também hoje, com a composição de imagens e a narração precisa de histórias, ainda somos capazes de conseguir exatamente isto: iluminar e preservar a existência das coisas e dos seres humanos", diz Wenders atualmente. As imagens não têm que ser apenas a maré em constante afluxo: elas também podem ser os rochedos nesse redemoinho.
Every thing will be fine irradia essa grande tranquilidade e serenidade, quase se poderia atestar a ele a força os velhos mestres. Parece que agora Wim Wenders sabe exatamente do que é capaz, sem precisar constantemente chamar a atenção para a complexidade dos eventos temporais.
Arte como atividade culposa
Assim, a narrativa que Wenders desenrola em seu novo filme é também bastante simples. Num dia de inverno, no Canadá, o escritor Tomas atropela uma criança. Ele não tem culpa, mas o trágico incidente desencadeia uma crise no sensível autor, interpretado por James Franco, que passa a se questionar enquanto ser humano e artista.
Wenders conta que se interessou pela temática da culpa. "Embora a questão não seja tanto se esse homem se incriminou de alguma forma no acidente, mas sim a culpa que se acumula – em qualquer atividade criativa, mas sobretudo como escritor ou cineasta –, ao usar ou 'explorar' a vida real. "
Tomas se separa de sua companheira, faz contato com a mãe do menino morto, conhece outra mulher, escreve novos livros. O tempo passa, mas o acidente não o deixa em paz. Finalmente, depois de muitos anos, ele é procurado pelo irmão da vítima, que presenciou o acidente, mas escapou incólume. Assim como Tomas, ele não conseguiu esquecer o ocorrido.
"Quanta responsabilidade carregamos conosco?", pergunta Wenders. "Não só no sentido direto, quando causamos um acidente, como motoristas, mas também depois: que relação existe entre estranhos que são conectados entre si por um acontecimento traumático?"
Para o cineasta, essas são questões universais, que não dizem respeito apenas ao escritor Tomas, mas a todos os seres humanos. "Trata-se de saber até que ponto nós aceitamos e respeitamos a realidade dos outros como nossa realidade. Como lidar com isso de forma responsável?"
Intimidade em 3D
Wenders coloca todas essas questões no filme, e as responde de forma visualmente empolgante. O cenário inicialmente invernal é captado de forma tão impressionante quanto as estações seguintes, e Montreal e Québec se revelam locações grandiosas.
Além disso, Every thing will be fine é filmado em 3D. Antes da estreia no festival Berlinale, Wenders comentou que os muitos filmes comerciais que empregam as técnicas tridimensionais não exploram seu potencial, usando-as apenas para efeitos e truques.
Ele confirma que sua experiência com o cinema 3D no documentário Pina (2011), sobre a coreógrafa alemã Pina Bausch, ajudou: "Havia o 'espaço' e uma certa 'profundidade', mas também algo inteiramente novo, que eu nunca percebera dessa forma. A presença sem afetações de uma pessoa diante da câmera tinha uma dimensão insuspeitada."
Também na tela, explica o diretor, os atores passaram a ter uma presença que ele nunca vira antes – "nem no antigo cinema, nem no novo, tridimensional".
Pela primeira vez, Wenders leva essa vivência para um filme de ficção. "Uma história que se pudesse contar com esse novo tipo de presença, 'entraria sob a pele', no sentido mais verdadeiro do termo", supõe o diretor. "Every thing will be fine era exatamente a história certa para ousar essa nova, íntima narrativa em 3D, porque tanto se passa no interior das personagens."
O espectador participa da vida e do sofrimento do autor Tomas, ele é sugado para dentro da existência de um ser humano que Wim Wenders e seu roteirista, Bjorn Olaf Johannessen, criaram. Em todos os grandes filmes e também romances, sempre bastou aos mestres simplesmente contar sobre a vida das pessoas. Basta dispor dos recursos artísticos para tornar essa pessoa viva, também na imaginação dos espectadores.