"Catedrais da Cultura" explora arquitetura em 3D
31 de maio de 2014Neste fim de semana, estreia nos cinemas alemães o documentário Catedrais da Cultura, produzido pelo premiado diretor Wim Wenders. Junto a cinco renomados cineastas internacionais, o alemão dá continuidade às suas pesquisas em cinematografia tridimensional, depois de Pina(2011).
Além de produtor executivo do projeto, Wenders também assumiu a direção do documentário sobre o prédio da Filarmônica de Berlim, projetado por Hans Scharoun e concluído em 1963. A ideia do arquiteto alemão foi criar a primeira sala de concertos em que o palco se localizasse no meio da plateia. Mas um outro aspecto também fascinou Wim Wenders.
"O prédio da Filarmônica foi erguido na praça Potsdamer Platz, no antigo centro da cidade, e que, depois da guerra se tornou uma terra de ninguém totalmente destruída. Durante a construção, de repente foi erguido o Muro de Berlim. Assim, nas décadas seguintes, a Filarmônica ficou isolada. Isso também a torna tão interessante do ponto de vista histórico."
Além de Wim Wenders, os diretores Michael Glawogger, Michael Madsen, Robert Redford, Margreth Olin e o brasileiro Karim Aïnouz partiram à procura da "alma" de construções culturais importantes. A estreia mundial desse extraordinário projeto cinematográfico foi no início do ano, no Festival de Cinema de Berlim (Berlinale).
Livros se tornam seres vivos
Bem mais antiga do que a Filarmônica de Berlim é a Biblioteca Nacional de São Petersburgo. Projetado por Yegor Sokolov, o prédio inaugurado em 1814 se localiza na rua Prospecto Nevsky. Enquanto lá fora a famosa rua fervilha de vida, do lado de dentro a Biblioteca Nacional preserva os pensamentos do mundo.
Com lentos movimentos de câmera, Michael Glawogger (Megacities) conduz o espectador por um edifício labiríntico. Uma homenagem à beleza dos livros – ainda que o diretor também enfatize a temporalidade deles, mostrando tesouros cujo papel ameaça se desintegrar.
As salas de leitura vazias indicam que os "uns e zeros" da era digital estão substituindo as letras do papel. Esse foi o último filme completo realizado pelo recém-falecido diretor austríaco: "Quando alguém se aproxima dos livros com uma câmera 3D, pode-se ver até mesmo a menor dobra, o mais leve amarelecimento. A idade desses objetos se torna concreta, tangível – os livros se tornam seres vivos", comentou Glawogger sobre Catedrais da Cultura.
Viagem ao submundo
Bem longe da alta cultura, o cineasta dinamarquês Michael Madsen penetra no edifício da penitenciária norueguesa de Halden. Projetada pelo escritório dinamarquês EMA, ele foi considerada pela revista Timecomo "a prisão mais humana do mundo". Em vez de grades nas janelas, há vistas panorâmicas da natureza, diversas instalações esportivas e até mesmo uma casa de hóspedes, na qual os detentos podem, eventualmente, pernoitar com seus familiares.
Inaugurada há quatro anos, a prisão abriga alguns dos criminosos mais perigosos da Noruega. O filme permite ao espectador adentrar um espaço fechado e marginalizado pela sociedade, vê-se como prisioneiros e guardas jogam basquete juntos. Entretanto, apesar de toda disposição de atender às necessidades dos detentos, a prisão de Halden não consegue dispensar as celas de isolamento.
Incentivando o espírito científico
Retratado pelo americano Robert Redford, o Instituto Salk, em La Jolla, sul da Califórnia, só tem indiretamente a ver com cultura. Em 1959, o virologista Jonas Salk, que desenvolveu uma vacina contra a poliomielite, encomendou ao arquiteto Louis Kahn o projeto de um instituto de pesquisas "em que o pintor Pablo Picasso se sentisse em casa".
Salk imaginava uma espécie de convento, onde os cientistas pudessem trabalhar em harmonia com a natureza. O resultado foi um edifício inteiramente geométrico, pontiagudo, com ângulos pungentes. O pátio aberto entre os dois blocos do edifício permite uma visão do Oceano Pacífico. Em seu filme, Redford reflete sobre a questão se a arquitetura extraordinária de um prédio pode estimular a realizar projetos de pesquisa também extraordinários.
"Alma" da arquitetura
Dois episódios do documentário parecem um tanto deslocados. O da cineasta norueguesa Margreth Olin é dedicado à Ópera de Oslo, novo edifício elegante que parece brotar de um fiorde. No entanto, a mistura de alta cultura e lazer urbano não parece motivo suficiente para celebrá-lo tanto assim.
O outro é o Centro George Pompidou em Paris. Importante centro de música, teatro, cinema, dança e exposições de arte, com seus corredores envidraçados e perfis metálicos na fachada, o prédio construído pelos arquitetos Renzo Piano e Richard Rogers entre 1971 e 1977 parece um corpo estranho no entorno, e por dentro lembra um galpão industrial. Um fato que nem mesmo o diretor Karim Aïnouz consegue mudar, ao flutuar com sua câmera pelos tubos de vidro da escada rolante.
O documentário Catedrais da Cultura é uma respeitável tentativa de chegar o mais perto possível da "alma" dos edifícios. Uma abordagem interessante, que outorga vida emocional própria às obras arquitetônicas. Afinal de contas, os seres humanos dão forma às construções, mas elas também nos formam.