Aposentados de Portugal protestam contra planos de cortes do governo
25 de maio de 2013Todas as tardes, Angélica Canelo vai ao café do centro de idosos, que fica em frente à sua casa em Amadora, subúrbio lisboeta. "Eu jogo dominó e converso com meus amigos. Mas não faço refeições aqui, eu como em casa", conta a aposentada de 79 anos que, assim, economiza o dinheiro do café com bolo. Com os 400 euros que recebe mensalmente do Estado ela precisa pagar aluguel, alimentação, telefone e medicamentos.
Canelo ainda não sabe se os novos planos de austeridade econômica do governo português vão lhe afetar. Mas ela já se prepara para novos cortes: "Eu tenho que viver com o que me dão. E se não der mais para comprar carne ou peixe, então eu vou ter que viver de pão e sopa."
Orçamento austero
Após o Tribunal Constitucional de Portugal ter declarado inconstitucionais partes do orçamento público, no mês passado, o governo português passou a buscar novas formas de reduzir o déficit estatal. A troica formada pela União Europeia (UE), o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Central Europeu (BCE) insistiu particularmente nos cortes das pensões de ex-funcionários públicos.
Portugal gasta atualmente mais dinheiro com as aposentadorias do que a maioria dos países da União Europeia. O Estado português disponibiliza benefícios previdenciários para 3,5 milhões de habitantes. As diferenças entre as pensões são bastante elevadas. Enquanto a maioria dos antigos funcionários públicos recebe uma aposentadoria de mais de mil euros por mês, 85% dos aposentados pelo setor privado ganham menos de 500 euros.
O primeiro-ministro português, Pedro Passos Coelho, propôs agora a introdução de um novo imposto, que deverá afetar tanto os aposentados do setor privado quanto os do setor público. A cobrança sobre as aposentadorias, no entanto, ainda é motivo de controvérsia dentro da coalizão de centro-direita. E sua implantação vai depender de Portugal conseguir ou não reduzir seu déficit orçamentário para abaixo dos 5% até o fim do ano.
Perda real na renda
Os planos do governo enfrentam grande resistência entre a população. Seis meses atrás, um grupo de aposentados se juntou para protestar contra a política de austeridade. Em curto espaço de tempo, milhares de idosos portugueses inquietos procuraram o escritório da Associação de Aposentados de Lisboa, segundo conta o diretor Vitor Ferreira.
"Nós aposentados também queremos dar nossa contribuição para controlar a crise da dívida. Mas o que nos incomoda é termos de pagar cada vez mais taxas extras, que são cobradas somente dos aposentados", reclama.
Especialistas dão razão a Ferreira e sua associação de aposentados: o antigo ministro do Trabalho, António Bagão Félix, calculou que a perda de renda real dos aposentados portugueses nos últimos dois anos variou entre 9% e 25%. A associação de aposentados liderada por Ferreira exige uma profunda reforma do sistema previdenciário. Em vez de novos impostos para todos os aposentados, eles querem que injustiças sejam analisadas caso a caso, a fim de que possam ser eliminadas.
Além disso, Vitor Ferreira acusa o governo de fomentar um conflito de gerações na discussão atual. Passos Coelho declarou numa convenção da ala jovem de seu partido conservador, que muitos aposentados em Portugal recebiam mais dinheiro do que realmente tinham direito. Para Ferreira, o fato de Passos Coelho ter chamado atenção para a geração mais idosa justamente num evento de jovens portugueses foi algo de muito pouca sensibilidade.
"Estamos vivendo uma situação econômica dramática e particularmente o desemprego juvenil é alarmante. Um político responsável não deveria relacionar esses temas diretamente com a reforma das aposentadorias, como o primeiro-ministro o fez", avaliou.
Apoio familiar
Em países europeus em crise como Portugal, Espanha e Grécia, a família é um importante apoio para a geração mais jovem. A solidariedade entre jovens, filhos desempregados e pais aposentados é um dos motivos pelos quais a pobreza não aumentou tanto em Portugal, apesar da crise econômica. A associação de solidariedade social lisboeta Cais estima que o número de portugueses que vivem em nível de pobreza poderia ter aumentado de 24% a 35% se as pessoas não pudessem contar com o apoio de familiares e amigos.
O historiador desempregado Tiago Peixoto, 34 anos, ainda vive na casa da mãe em Lisboa. "Apoiamos um ao outro, pois minha mãe sofre com a crise. Claro que eu gostaria de construir uma vida própria, ser independente e ter meu próprio apartamento. Mas no momento isso não é possível. Por isso, vivemos juntos e sem conflitos."
Peixoto é ativista num movimento civil que se engaja principalmente pelos direitos dos portugueses mais jovens. Além disso, ele e outros movimentos de protestos juvenis apoiam protestos de aposentados – um sinal de que, pelo menos até agora, as manifestações contrárias à política de austeridade do governo vêm unindo gerações.