Análise: A Alemanha quer se livrar da Grécia?
11 de julho de 2015Quando, recentemente, tive o prazer de participar de uma conferência em Berlim, as conversas inevitavelmente se voltaram para a Grécia. Ouvi histórias infindáveis sobre a incompetência, a corrupção e os privilégios dos gregos. Algumas eu sabia que eram falsas. Mas o que realmente me chamou a atenção foi a semelhança entre as histórias que se contam sobre os pobres, em qualquer lugar: como a pobreza é o resultado de falhas de caráter, como distribuir dinheiro não é solução e que não se deve culpar o sistema econômico.
Nessas discussões, um fato simples nunca era mencionado até que eu o levantasse. Em termos de política orçamentária, a troica é quem esteve no comando na Grécia nos últimos quatro anos. Como resultado, a Grécia foi submetida a uma austeridade fiscal draconiana.
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) estima que o superávit primário do país – uma medida normalmente usada para avaliar a política orçamentária – têm mudado nos últimos cinco anos num valor quase duas vezes maior do que o de qualquer outro país da OCDE. A ideia de que a Grécia não fez o suficiente para corrigir suas finanças é absurda.
O impacto desse esforço foi mais do que ofuscado pelo colapso da economia grega, com uma queda do Produto Interno Bruto (PIB) de 25%. Aqui abordamos um problema que temo ser exclusivamente alemão. Pergunte a qualquer economista fora da Alemanha porque a economia da Grécia entrou em colapso e há boas chances de ele lhe dizer que isso é consequência da austeridade fiscal.
Eles têm em mente o modelo macroeconômico keynesiano, que é ensinado aos estudantes de todo o mundo (inclusive os da Alemanha) e que é utilizado pelos bancos centrais (inclusive o Banco Central Europeu) pra estabelecer as taxas de juros. Esse modelo sustenta que, para uma economia sem sua própria política monetária, a austeridade fiscal causará contração, e uma austeridade com anabolizantes poderá ser ainda mais prejudicial.
A Alemanha parece ser praticamente o único país, entre as principais nações do globo, que utiliza um discurso sobre políticas econômicas no qual a perspectiva keynesiana é minoritária. Ouço frequentemente os alemães a descreverem como um modelo econômico "anglo-saxão", mesmo que a maioria dos economistas fora do país veja as ideias keynesianas como universais em sua aplicabilidade. Dessa forma, a Grécia se tornou uma espécie de experimento: uma disputa entre a perspectiva alemã e a keynesiana.
É como se a Grécia fosse o paciente, e a troica, o médico. Há quatro anos, o paciente vem tomando os medicamentos prescritos pelo doutor: uma combinação de austeridade e "reformas estruturais". O quadro do paciente vem piorando cada vez mais. Em vez de admitir que talvez o remédio tivesse sido inapropriado ou excessivo, o médico começa a contar histórias sobre como o paciente não tomou devidamente os medicamentos receitados. Mas nós sabemos que, na verdade, o paciente tomou toda a medicina de austeridade, além de realizar reformas estruturais significativas.
O flagelo da Grécia se tornou um enorme desafio às crenças econômicas dominantes na Alemanha, mas, em vez de admitir isso, os alemães construíram uma fantasia na qual tudo é culpa dos preguiçosos e corruptos gregos. Agora que o paciente começou a questionar os medicamentos (a eleição do Syriza), os políticos alemães parecem desejar que ele simplesmente vá embora (o "Grexit").
O resultado é uma situação absurda, onde a Alemanha se recusa a considerar qualquer atenuação ou reestruturação da dívida para a Grécia, apesar de seus parceiros do Fundo Monetário Internacional (FMI) estarem cientes de que essa é uma medida inevitável. Essa obstinação pode ser explicada como a ação de um credor em seu próprio interesse, mas a Alemanha deve saber que, se a Grécia for empurrada para fora da zona do euro, provavelmente receberá ainda menos de seu dinheiro de volta.
Às vezes ouço que a Alemanha deve adotar uma postura rígida com a Grécia para evitar que outros países também peçam a atenuação de suas dívidas. Entretanto, os termos da dívida grega foram modificados em 2012, e isso não aconteceu.
Meu temor é que o que orienta a política e a opinião pública alemã seja o desejo de negar o que a experiência com a Grécia significa para suas crenças econômicas. Talvez seja inevitável que os políticos alemães digam às pessoas o que elas queiram ouvir, em vez de a verdade.
Porém, um homem ou mulher de Estado deveria estar acima dessa vontade de agradar ao público e reconhecer perspectivas diferentes. Como escrevi recentemente numa carta aberta a Angela Merkel, juntamente com quatro eminentes economistas, a história irá julgá-la por suas ações nesta semana.
Simon Wren-Lewis é professor de política econômica na Universidade de Oxford.