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Antes e depois de Gutenberg

Simone de Mello30 de setembro de 2005

Confira nestas Notas Literárias onde a imprensa foi realmente inventada, onde ficou o espólio de W.G. Sebald e onde o Muro de Berlim continua existindo.

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Qualquer pessoa tem a convicção de que pode criticar livros, só porque aprendeu a ler e a escrever (William Somerset Maugham)Foto: BilderBox

O Festival Internacional de Literatura de Berlim, ocorrido de 6 a 17 de setembro, reuniu 150 autores de todo o mundo em leituras, debates e conferências. Em sua quinta edição, o evento conseguiu assegurar um lugar fixo nas dependências do Berliner Festspiele, embora tenha perdido a garantia de financiamento a partir de 2007.

Doris Lessing
Doris LessingFoto: dpa

A conquista da confiança da crítica foi um processo mais lento. Fato é que o festival passou a ser mais respeitado, à medida que começou a incluir nomes mais conhecidos em sua programação. Este ano foram Kazuo Ishiguro (Grã-Bretanha), Doris Lessing (Grã-Bretanha), Friederike Mayröcker (Áustria), Kenzaburo Oe (Japão) e Martin Walser (Alemanha), por exemplo.

Na inauguração do evento, o diretor do Berliner Festspiele, Joachim Satorius, também poeta, expressou o desejo de que o festival se inserisse na "tradição de um teatro engajado e confiante no efeito da palavra". A tendência de incluir autores engajados já era mais ou menos a tônica do festival, que no mais sempre teve um programa muito desigual.

Além de destacar de certa forma a literatura de resistência em regimes não democráticos, os escritores são apresentados como interlocutores sobre a situação de seus países e envolvidos em debates com cientistas políticos. Este ano, a crítica questionou, no entanto, até que ponto escritores teriam uma opinião mais fundamentada sobre o mundo do que quem não escreve profissionalmente.

Leste x Oeste: "Até hoje não nos conhecemos"

Pelo menos para o jornal Die Zeit, que vive tentando inflamar debates políticos no meio intelectual, o escritor ainda tem muito a dizer sobre as circunstâncias sociopolíticas do lugar onde vive. Uma entrevista recente com a escritora Christa Wolf, um dos grandes nomes da literatura da antiga Alemanha Oriental, aborda as conseqüências da reunificação alemã.

Christa Wolf
Christa WolfFoto: AP

"Através dos efeitos materiais da unificação alemã, sobretudo o alto índice de desemprego, muita gente no Leste tem a sensação de que somos inferiores. Uma coisa importante é o fato de as pessoas no Oeste nos virem como inferiores e nos olharem de cima", declarou Christa Wolf, lamentando que as críticas ao eleitorado do Leste por parte de políticos conservadores nas últimas eleições ainda corroboram mais esta sensação.

Christa Wolf também acusa os wessis, alemães do Oeste, de desinteresse pela outra parte do país: "O meu círculo de amizade inclui cada vez mais gente do Oeste. Mas no país como um todo, é necessário dizer com todas as letras que não houve interesse. Não houve nenhuma necessidade de aprender com os outros, com a gente. Eles se sentiam superiores. Até hoje não nos conhecemos."

Apesar de não ter exatamente esperança de que a força política da nova esquerda venha a mover o país, Christa Wolf considera importante uma força mais à esquerda do SPD (Partido Social Democrata) no Parlamento.

Para ela, algo tão importante quanto isso seria uma iniciativa de movimentos extraparlamentares críticos à política profissional.

O que restou de Sebald

O espólio do escritor e crítico literário alemão Winfried Georg Sebald (1944–2001) vai ser colocado à disposição de pesquisadores. Além da biblioteca do autor e de 69 caixas com documentos de arquivo, o material inclui correspondências e sobretudo manuscritos de suas obras literárias e publicações teóricas. O Arquivo de Literatura de Marbach, no sul da Alemanha, adquiriu em setembro o espólio do escritor que marcou a literatura européia na década de 90.

W.G. Sebald
Winfried Georg SebaldFoto: dpa

W.G. Sebald viveu desde 1970 em Norwich, Inglaterra, como docente da Universidade de East Anglia. Suas obras narrativas – como o volume de contos Os Emigrantes (1992; publicado no Brasil pela Record, em 2002, em tradução de Lya Luft), o romance Austerlitz (2001) e seu volume de ensaios Os Anéis de Saturno (no Brasil: Record, 2004) – se tornaram conhecidas primeiro na Inglaterra, nos Estados Unidos e na França, antes de serem descobertos pela crítica alemã em meados dos anos 90. Sebald morreu em dezembro de 2001, após ter sofrido um infarto ao volante de seu carro.

Desde sua "descoberta" pelo público leitor alemão, ele ganhou importantes prêmios de literatura no país, além de ter desencadeado um amplo debate nacional com suas conferências sobre guerra aérea e literatura em Zurique, em 1998.

70 quilos e 1m70 de saber

A editora Brockhaus promete lançar na próxima Feira do Livro de Frankfurt (19 a 23 de outubro) "a enciclopédia mais abrangente de todos os tempos". O número de volumes da Brockhaus aumentou para 30, seis mais que a última edição. A obra inclui 24 mil e 500 páginas, 300 mil verbetes, mais de 40 mil fotos, ilustrações, gráficos e mapas.

Ein Mitarbeiter der Firma Brockhaus steht mit einem Buch in der Hand an einem Bücherregal im Mannheimer Verlagshaus
Enciclopédia BrockhausFoto: dpa

Quem comprar os seis primeiros volumes da enciclopédia terá acesso ao resto da coleção via internet. Uma outra opção é adquirir a edição digital, oferecida em cartão de memória USB.

Além de um acervo de imagens bem mais amplo, a nova Brockhaus inclui 600 textos originais na íntegra, como – por exemplo – um relato de testemunhas de época sobre Alexandre, o Grande.

Friedrich Arnold Brockhaus (1772-1823)
Friedrich Arnold Brockhaus (1772–1823), fundador da Editora BrockhausFoto: presse

Entre os novos verbetes, incluem-se "Cultura Alimentar" e "Segurança em TI". A próxima edição da Brockhaus também compreende dois DVDs com 70 horas de áudio e três mil documentos sonoros, desde o riso da hiena até discursos de políticos .

Oriente antecipou Gutenberg

O primeiro livro a ser impresso com tipos móveis de metal não foi a Bíblia, ao contrário do que muitos pensam, mas sim uma coletânea dos ensinamentos de Buda impressa na Coréia em 1377. Este fato, conhecido por poucos, é foco da exposição Encontros – Imprensa Coreana anterior a Gutenberg, a ser vista até 20 de novembro no Museu de Comunicação de Frankfurt. A mostra faz parte do programa paralelo da próxima Feira do Livro de Frankfurt, que tem a Coréia como destaque este ano.

Die Gutenberg Bibel
A Bíblia de GutenbergFoto: AP

As páginas de fino papel cor-de-rosa são encadernadas do lado direito. Em vez das linhas horizontais, a escrita é disposta em colunas verticais. Este é o livro mais antigo do mundo impresso em tipos móveis de metal: a coletânea de textos budistas Jikji é 78 anos mais antiga que a bíblia de Gutenberg, de 1455, vista pelo Ocidente como o marco da invenção da imprensa.

No entanto, o exemplar a ser apreciado em Frankfurt é apenas uma réplica do original, fechado a chaves em Paris. Esta raridade permaneceu durante muito tempo na Biblioteca Nacional francesa, até ser descoberta por uma bibliotecária de origem coreana em 1972, causando grande impacto entre os estudiosos.

O livro produzido por monges budistas coreanos foi comprado por um francês no final do século 19 numa feira de antigüidades na Ásia. A coletânea compreendia originalmente um segundo volume, extraviado, no entanto.

Johannes Gutenberg
Johannes GutenbergFoto: www.lib.utexas.edu

As técnicas dos monges coreanos e de Gutenberg são distintas, o que leva os estudiosos a presumir que a notícia possa ter chegado à Europa no século 15, mas dificilmente influenciado Gutenberg. Enquanto os asiáticos produziam seus tipos em bronze ou cobre, os de Gutenberg eram de chumbo.

Os monges imprimiam as palavras através de uma técnica de fricção sobre um papel bem fino, algo que jamais teria funcionado com o papel grosso produzido na Europa. As metas dos inventores também eram bem distintas. Gutenberg queria ganhar dinheiro com a sua bíblia e o consentimento da Igreja, enquanto a venda de livros era estritamente proibida na Ásia.