Alemanha voltou a ser "o doente da Europa"?
Publicado 25 de agosto de 2023Última atualização 25 de agosto de 2023Era o final da década de 90 quando a revista britânica The Economist deu seu veredito sobre a economia alemã, classificando o país como "o doente da Europa". A avaliação serviu de alerta para a classe política do país, que, inebriada pelos anos de forte crescimento após a reunificação, vinha adiando as reformas.
O governo do chanceler Gerhard Schröder então reformou o mercado de trabalho, e isso trouxe resultados. Em 2014, um grupo de economistas de Berlim e Londres escreveu que a Alemanha havia evoluído "de homem doente da Europa para uma estrela econômica".
A economia alemã agora está novamente em dificuldades. Por dois trimestres consecutivos, seu Produto Interno Bruto (PIB) encolheu, o que é considerado recessão técnica. No trimestre mais recente, o PIB ficou estagnado, e muitos indicadores econômicos mostram declínio. Isso chamou a atenção da The Economist, que publicou em agosto uma reportagem questionando se a Alemanha havia se tornado novamente o doente da Europa.
"A situação econômica da Alemanha está piorando", afirma Clemens Fuest, presidente do Instituto Leibniz de Pesquisa Econômica da Universidade de Munique (ifo).
O instituto realiza mensalmente uma pesquisa com 9 mil executivos sobre a situação atual de suas empresas e suas expectativas para os próximos seis meses. O resultado do Índice de Clima de Negócios de julho de 2023 caiu pelo terceiro mês consecutivo. Os pesquisadores do ifo esperam que o PIB da Alemanha encolha novamente no atual trimestre.
Esse panorama também está claro para o economista-chefe do Commerzbank, Jörg Krämer: "Infelizmente, não há melhora à vista", disse Krämer à agência de notícias Reuters. "A elevação das taxas de juros em todo o mundo está cobrando seu preço, em particular porque as empresas alemãs já estão inquietas devido à deterioração da qualidade de sua localização."
Indústria não é mais o carro-chefe
Em comparação com outras nações industrializadas, a Alemanha está tendo um desempenho excepcionalmente ruim e, de acordo com uma estimativa do Fundo Monetário Internacional (FMI), será o único país das nações mais industrializadas a registrar queda do PIB neste ano.
O setor industrial do país, o carro-chefe de sua economia, é o motivo maior de preocupação. Ele é responsável por uma parcela relativamente grande do valor agregado bruto da Alemanha, cerca de 24%, e vem sofrendo com a crise econômica global. Os setores de engenharia e automotivo, que dependem muito das exportações, estão sentindo especialmente os efeitos da queda de pedidos de clientes estrangeiros, como os da China, o maior parceiro comercial da Alemanha.
As empresas dos setores de manufatura ainda estão se garantido graças ao grande acúmulo de pedidos que ficaram pendentes durante a pandemia, devido a problemas na cadeia de suprimentos. Mas esses pedidos serão concluídos em breve, e os novos pedidos estão chegando em menor número. De março a maio, o número de pedidos recebidos caiu cerca de 6% em relação aos três meses anteriores.
"As exportações criaram nossa riqueza (...), mas quando a economia mundial perde força, a Alemanha sente isso com mais intensidade que outros [países]", disse o ministro da Economia, Robert Habeck, ao jornal Die Zeit.
O declínio econômico da Alemanha tem muitas causas. Uma delas é a política monetária dos bancos centrais. O Federal Reserve (Fed) dos Estados Unidos, o Banco Central Europeu e outros querem controlar a inflação aumentando as taxas de juros. Isso encarece o crédito para empresas e consumidores, desacelera outro importante setor econômico – a construção civil – e reduz a disposição das empresas para investir.
Reduzir o dinamismo econômico é o objetivo do aumento das taxas de juros, mas outros países da zona do euro, como a França ou a Espanha, lidaram muito melhor com isso. "Todos os nossos vizinhos europeus têm um momento econômico melhor", afirmou Moritz Schularick, presidente do Instituto Kiel para a Economia Mundial (IfW).
Portanto, problemas estruturais estão impedindo a Alemanha de crescer. O modelo econômico do país costumava se basear na importação de energia barata – principalmente russa – e de matérias-primas e produtos semiacabados baratos, processando-os e exportando-os como produtos caros e de alto valor.
Mas isso não está mais funcionando. As diversas crises dos últimos anos revelaram de forma implacável as fraquezas da Alemanha. Os preços da energia caíram desde que atingiram seu ápice em 2022, após a invasão russa da Ucrânia, mas seguem acima dos valores praticados antes do início da guerra. As empresas que fazem uso intensivo de energia estão sofrendo com o maior custo, e aquelas que transferiram sua produção não estão voltando.
Os problemas não terminam aí. Também não ajuda que a coalizão de três partidos que governa o país desde 2021, formada por sociais-democratas, verdes e liberais, venha enfrentado crises internas devido a divergências sobre diversos temas, inclusive na política econômica.
O verde Habeck, ministro da Economia, tentou colocar um teto no preço da energia para indústrias que fazem uso intensivo do insumo até 2030, enquanto o país aumenta sua capacidade de produzir energia de outras fontes, mas o ministro das Finanças, o liberal Christian Lindner, vetou o subsídio. Lindner, por sua vez, queria reduzir os impostos cobrados de empresas, mas a proposta foi bloqueada pelos verdes.
Como dar a volta por cima?
Um estudo recente do DZ Bank, o segundo maior banco da Alemanha, concluiu que as pequenas e médias empresas, comumente descritas como a "espinha dorsal da economia alemã", estão em perigo.
Os autores observam uma combinação perigosa de desvantagens na localização das empresas alemãs. Além dos preços da energia, listaram a escassez de mão de obra qualificada, a burocracia excessiva, os altos impostos e a infraestrutura precária, incluindo dificuldades na implementação da digitalização. Além disso, a população da Alemanha está envelhecendo.
"Grande parte da nossa economia não está confiante de que os investimentos na Alemanha como local de negócios, em vista dos altos custos e, em algumas partes, de regulamentações contraditórias, serão compensados", disse recentemente Peter Adrian, presidente da Associação das Câmaras de Comércio e Indústria Alemãs, à agência de notícias dpa.
O presidente do Instituto Kiel (ifW), Moritz Schularick, delineou uma possível saída para esse dilema em um artigo no site do instituto: "Se a Alemanha não quiser se tornar o 'homem doente da Europa' mais uma vez, ela deve hoje, de forma corajosa, dar atenção aos setores de crescimento de amanhã, em vez de gastar bilhões, motivada por medo, para preservar as indústrias de energia intensiva de ontem."
Schularick acrescentou que a Alemanha precisa resolver rapidamente as deficiências e as oportunidades perdidas na última década: "O atraso, às vezes bizarro, em todas as questões digitais, o declínio acentuado da capacidade do Estado e da infraestrutura pública, bem como a falta de uma estratégia significativa para melhorar a escassez de moradias e aumentar a imigração para lidar com os efeitos do envelhecimento da força de trabalho."
Alguns buscam evitar um tom muito pessimista. Fuest, do ifo, compara o país europeu a alguém que já está na casa dos 40 anos e tem uma trajetória de sucesso, mas que agora precisa se reorientar profissionalmente.
Para Holger Schmieding, economista do Berenberg Bank, a "atual onda de pessimismo é muito exagerada", e a situação hoje é diversa dos problemas econômicos enfrentados de 1995 a 2004.
"O governo já está lidando com algumas questões importantes, como a escassez de mão de obra e os longos procedimentos de aprovação que atrapalham o investimento público e privado", escreveu ele em uma análise.
bl (dw, afp)