A vida "sem filtro" no entorno do Estádio Olímpico
17 de agosto de 2016A agitação na vizinhança começa às 5 da manhã, muito antes de os atletas e torcedores chegarem ao Estádio Olímpico do Rio. Na casa de Elaine Costa Braga, o feijão já está de molho, as carnes são temperadas, e os legumes, lavados e cortados. Os ingredientes vão compor o prato feito do dia, o famoso PF, servido somente na hora do almoço.
Na rua Doutor Padilha, que fica em frente a um dos portões do estádio, as competições olímpicas provocaram um rearranjo de pequenos comércios acomodados nas residências. Onde Elaine hoje serve refeições, uma cama e armário deram espaço a mesas e cadeiras, que recebem brasileiros e estrangeiros em busca de uma comida caseira.
"Já servi japonês, alemão, americano – eles ficam apontando a panela e a gente monta o prato", conta Elaine, que serve o PF por 15 reais. Toda a família trabalha intensivamente para servir arroz, feijão, um tipo de carne e salada para os turistas – a irmã vem do bairro vizinho, o marido encostou o táxi nesses dias olímpicos.
Kim Tamskanem, de Michigan, nos Estados Unidos, esperava seu PF sair. "Tem uma cara muito boa. Queria experimentar a comida feita por alguém daqui", conta.
Antes de chegar ao estádio, a turista já tinha recusado ofertas de chocolate, refrigerante, agulha e linha de costura, cotonete e desentupidor de fogão no trem. Passageiros assíduos nos vagões que saem da estação Central do Brasil até Engenho de Dentro, os vendedores ambulantes oferecem seus produtos e escondem tudo quando avistam um fiscal (em dias olímpicos e normais).
Espetinho e pastel
Todo o esquema de segurança e barreiras colocadas nas ruas para controlar o fluxo dos espectadores dos Jogos não isolaram o público do cotidiano do bairro Engenho de Dentro, zona norte do Rio de Janeiro, onde fica o Estádio Olímpico, que recebe competições de futebol e atletismo.
Iara Gonçalves Couto, a única a manter um bar aberto na rua ao longo de todo o ano, diz que não mudou nada para receber os visitantes estrangeiros. Ela mora na casa que fica nos fundos há 15 anos. "Está tudo com a mesma cara, autêntico", conta. O diferencial são os banheiros: "Somos os únicos da rua a oferecer banheiros feminino e masculino", explica.
A única exigência do Comitê Rio 2016 foi que os comerciantes do entorno, todos com o alvará de funcionamento da prefeitura, cobrissem os letreiros que estampam marcas de bebidas que não sejam as patrocinadoras das Olimpíadas.
O marido de Iara, Waller Ezequiel de Araújo, deixou a vida de motorista de lado momentaneamente para administrar a churrasqueira na garagem que assa espetinhos. O casal de ingleses Sally e David Swann experimentaram a iguaria pela primeira vez.
"Nós não aguentamos mais a comida industrializada vendida dentro dos locais de competições. Viemos atrás de um sabor tipicamente brasileiro e adoramos esse espetinho", disse Sally, que aguardava o início da disputa de atletismo. O Rio se transformou num lugar especial para a família: a filha Polly Swann foi prata no remo.
Na casa vizinha, Ieda Lúcia Ferreira da Silva, de 67 anos, nem sabe dizer quantos pastéis vende por dia desde que os Jogos começaram. "São mais de 350", estima. Nascida no bairro, ela criou os filhos vendendo marmitas e foi a principal fornecedora das quentinhas que alimentaram os trabalhadores que construíram o Engenhão, inaugurado em 2007 para os Jogos Pan-americanos.
Propostas de aluguel
Bem em frente ao Engenhão, a antiga confecção de Admília Fernandes de Abreu, que ocupa a parte de baixo do sobrado, ficou pequena e mudou de lugar. A área se transformou numa loja de lembranças dos Jogos e petiscos. "Eu recebi propostas para alugar a casa, mas decidimos trabalhar durante as Olimpíadas", conta Admília.
"É muito legal essa experiência, os turistas querem saber da vida aqui, perguntam bastante coisa. Muitas vezes a gente não fala a mesma língua, mas todo mundo se entende. Hoje eu ganhei até presente de um cliente", mostra o broche que estampa a bandeira da Inglaterra.