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A serenidade da polícia em Berlim

14 de outubro de 2019

A capital alemã foi palco de uma série de protestos ambientalistas, que paralisaram o trânsito por dias. A atitude pacífica dos policiais, que chegaram a trocar elogios com manifestantes na internet, foi um ponto alto.

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Policiais e manifestantes na Ponte Marschall, em Berlim
Ponte Marschall foi ocupada por mais de 50 horasFoto: picture-alliance/dpa/P. Zinken

Durante a última semana, Berlim foi palco de diversos protestos do movimento ambientalista Extinction Rebellion (Rebelião da Extinção), com bloqueios de importantes cruzamentos e pontes que duraram dias. As manifestações pelo clima visam chamar atenção para o problema do aquecimento global, paralisando sobretudo os meios de transportes mais poluentes.

Bloqueios interromperam, por exemplo, o trânsito por 58 horas no cruzamento da Grosser Stern, por 24 horas na Potsdamer Platz, e por mais de 50 horas na ponte Marschall, próximo ao Parlamento alemão. Para mim, o que mais chamou atenção durante essa semana foi a atitude da polícia diante dos protestos ambientais.

Diferente do que esperavam alguns comentaristas de redes sociais, em nenhum momento a polícia berlinense fez uso da violência para acabar com os bloqueios. Serenidade foi a ordem dada a policiais para agir diante dos manifestantes. Houve algumas ações de desocupação durante a semana. A primeira foi na Potsdamer Platz ainda na segunda-feira passada, quando policiais carregaram, um a um, 480 ativistas que estavam sentados no cruzamento. A ação, porém, foi interrompida, pois havia mais de mil pessoas no protesto.

Na maioria dos casos, os bloqueios foram terminados após um consenso entre policiais e manifestantes. Os poucos que ficavam, alguns que haviam se colado com cola instantânea na rua ou pontes, eram retirados por policiais e bombeiros. Nas ações, não foi disparada nenhuma bala de borracha ou gás lacrimogêneo.

Em outros casos, policiais faziam vista grossa para iminentes bloqueios, como no caso da avenida Kurfürstendamm. O protesto foi autorizado numa pequena praça, que foi cercada por agentes de segurança. Um tempo depois, vários ativistas começaram a se juntar do outro lado da rua. Era óbvio que, em algum momento, o cruzamento seria bloqueado. Os policiais presentes pareciam não ver o movimento dos manifestantes. Quando o trânsito foi paralisado, três policiais que estavam perto de onde eu estava comemoraram a ação dos ativistas.

Durante toda a semana, ativistas do Extinction Rebellion e policiais trocaram elogios nas redes sociais e demonstraram respeito mútuo. O principal responsável por essa atitude da polícia foi o secretário do Interior de Berlim, Andreas Geisel, que comanda a instituição. No primeiro dia das manifestações, ele afirmou que bloqueios espontâneos seriam tolerados, se não houvesse atos de violência.

Depois, em entrevista à emissora de televisão local RBB, Geisel, do Partido Social-Democrata (SPD), defendeu a atitude pacífica da polícia, que vinha sendo criticada por integrantes do partido populista de direita Alternativa para a Alemanha (AfD), que nega as mudanças climáticas, e pelos liberais. As duas legendas queriam uma "abordagem mais rigorosa" contra os manifestantes.

Geisel afirmou que a polícia estava protegendo o direito de protestar e que deveria agir com serenidade profissional para evitar a escalada das manifestações. O secretário destacou que medidas mais fortes poderiam ter deixado feridos. "Os anos 1980 acabaram. Na época, o cassetete era uma resposta, que mostrou que deixava muitos feridos nas ruas, inclusive policiais. Quis evitar isso", disse, acrescentando que a democracia deve suportar manifestações.

A serenidade profissional adotada por Geisel se revelou, no fim, a atitude mais correta diante dos protestos. O uso da violência contra manifestantes poderia ter escalado a situação de uma maneira sem precedentes, levando para as ruas não somente os ativistas ambientais e deixando dezenas de feridos. Berlim poderia voltar a ser palco de protestos violentos como os de Primeiro de Maio registrados na década de 1980 ou 1990, algo que ficou para trás há muito tempo.

Além disso, a violência contra os manifestantes poderia inclusive causar o colapso do governo de coalizão berlinense, pois o Partido Verde e a legenda A Esquerda, que governam ao lado do SPD, apoiam as causas defendidas pelo Extinction Rebellion.

Clarissa Neher é jornalista da DW Brasil e mora desde 2008 na capital alemã. Na coluna Checkpoint Berlim, escreve sobre a cidade que já não é mais tão pobre, mas continua sexy.