A revolta dos berlinenses contra a especulação imobiliária
1 de abril de 2019Estatísticas e pesquisas sobre o mercado imobiliário divulgadas nos últimos anos apenas confirmam o que os moradores de Berlim vivenciam na pele: a capital alemã é a cidade onde o preço do aluguéis mais subiu desde 2008 na Alemanha. Em média, o aumento foi de 104% em somente dez anos. O peso no bolso é maior em bairros que estão sendo devastados pela gentrificação, como Prenzlauer Berg, Kreuzberg e Neukölln.
A explosão dos aluguéis também tem um outro vilão: empresas do setor imobiliário que têm poder aquisitivo para comprar tudo que veem pela frente. É claro que essas empresas quererem recuperar o valor investido nesses negócios, mas algumas delas adotam práticas inescrupulosas contra inquilinos na tentativa de convencer antigos moradores a deixarem "por vontade própria" o apartamento para que esse possa ser alugado posteriormente por preços exorbitantes.
Uma dessas empresas é a Deutsche Wohnen, conhecida por ignorar reclamações de moradores com problemas que deveriam ser solucionados pelo locatário, realizar obras desnecessárias para aumentar o aluguel, enviar cobranças indevidas e cortar sem motivos reais o fornecimento de gás de prédios por semanas durante o inverno, deixando moradores sem aquecimento e água quente no período mais frio do ano.
Já escrevi aqui sobre a iniciativa Expropriar a Deutsche Wohnen & Co., que pretende promover um referendo para a estatização de apartamentos que pertence às empresas do setor imobiliário que atuam na cidade. Inicialmente, a ideia era expropriar apenas os 114 mil apartamentos da Deutsche Wohnen, mas os ativistas decidiram dividir o peso entre as cerca de dez companhias que atuam de maneira semelhante na cidade.
A consulta popular propõe a expropriação de moradias de empresas que possuem mais de 3 mil apartamentos na capital. O número de imóveis atingidos depende da quantidade que cada uma tem. Com a mudança, cerca de 210 mil apartamentos poderiam ser expropriados, e o valor da indenização para as companhias foi estimado pelos ativistas entre 7 e 13 bilhões de euros.
Ao mirar mais empresas, os ativistas tentam garantir uma base legal mais sólida. Afinal, a Constituição alemã possibilita a expropriação em prol do bem da população. Se focassem apenas numa empresa, seria mais difícil essa argumentação jurídica.
A iniciativa popular, porém, irritou o mercado financeiro ao ponto de a Moody's se meter na questão. A agência americana de classificação de risco comunicou ao governo berlinense que pretende rebaixar a nota de crédito da cidade caso a expropriação realmente aconteça.
Como argumentos para tentar bloquear o referendo, a Moody's menciona os altos custos que Berlim terá com as indenizações, estimados pela agência em 36 bilhões de euros – quase o triplo do que o calculado pelos iniciadores da consulta popular – e o enfraquecimento do potencial de atração de investidores da cidade.
O rebaixamento da nota de crédito significaria para a cidade dificuldades para obtenção de empréstimos. Além disso, outras agência de classificação de risco provavelmente seguiriam a notificação da Moody's.
O governo não se manifestou sobre as ameaças. O recolhimento das 20 mil assinaturas iniciais para promover o referendo de expropriação deve começar em breve. Após essa fase, uma petição deve ser apresentada ao Legislativo local para a análise. Se for recusada, a iniciativa tem quatro meses para recolher cerca de 200 mil assinaturas. Se a meta for alcançada, o governo precisa promover a consulta popular.
Clarissa Neher é jornalista da DW Brasil e mora desde 2008 na capital alemã. Na coluna Checkpoint Berlim, escreve sobre a cidade que já não é mais tão pobre, mas continua sexy.
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