A Reunificação da Alemanha
5 de abril de 2013O Muro de Berlim caiu no dia 9 de novembro de 1989. O que não passava de um sonho – derrubar a barreira que separava ao mesmo tempo os dois Estados alemães, os sistemas capitalista e comunista, o Leste e o Oeste – tornou-se realidade de repente.
O processo iniciado nesse dia culminou em 3 de outubro de 1990, com a reunificação alemã e a integração dos territórios da República Democrática Alemã (RDA), no leste, à República Federal da Alemanha, no oeste.
A RDA, que sempre esteve sob o firme domínio do SED (Partido Socialista Unitário) e a tutela da União Soviética, começou a apresentar fortes sinais de desagregação ao não acompanhar as reformas iniciadas por Mikhail Gorbatchov na União Soviética em 1985.
Essa desagregação do bloco oriental já se manifestava na Polônia, onde o Partido Comunista se via obrigado a dividir o poder com o sindicato Solidariedade, e na Hungria, que passara a adotar elementos da economia de mercado. A RDA, que então tentou se isolar de Moscou, não estava, porém, em condições de subsistir sem ajuda soviética.
Oposição e fuga de um sistema caducado
Berlim Ocidental, a vitrine do Ocidente, e a mídia alemã-ocidental, a que os alemães-orientais tinham acesso, apesar da proibição, eram um constante convite a deixar o Estado condenado à falta de opções e de liberdade, à impossibilidade de viajar livremente ao exterior.
A oposição, inicialmente sem partido, agrupou-se sob a proteção da Igreja Protestante. Era integrada por pacifistas e por grupos de base, de defesa dos direitos humanos e do meio ambiente. Entretanto, diante da espionagem onipresente da Stasi, a polícia secreta do Estado, e dos mecanismos de controle do regime, a oposição, que fermentava há anos no país, só conseguiu se manifestar em 1989.
Antes disso, os dissidentes mais ativos deixavam o país, muitas vezes com a permissão das autoridades. De 1984 a 1988, 104 mil puderam ir para o Oeste, perdendo a nacionalidade da RDA. Em 1989, 161 mil pessoas solicitaram a expatriação. Logo, porém, já não seria necessária a autorização para viver no Ocidente.
Quando a Hungria decidiu abrir sua fronteira com a Áustria, em maio, abriu-se uma brecha na Cortina de Ferro. Inicialmente, Budapeste não deixou os alemães-orientais passarem, muitos deles se refugiaram na embaixada da República Federal da Alemanha (RFA). As embaixadas da RFA em Praga e em Varsóvia também estavam lotadas, bem como sua representação permanente em Berlim Oriental.
Em 11 de setembro, a fronteira húngaro-austríaca foi totalmente aberta. Em 30 de setembro, o ministro do Exterior da RFA, Hans-Dietrich Genscher, anunciou a 6 mil alemães-orientais refugiados em Praga que eles poderiam ir para a Alemanha Ocidental. Ao todo, 344 mil pessoas deixaram a RDA em 1989, o que deixou o governo comunista desorientado.
Os últimos dias do regime
Em 9 de setembro, constituiu-se na RDA o Novo Fórum, uma plataforma de discussão sobre reformas do sistema. As manifestações espontâneas às segundas-feiras em Leipzig foram uma das características da revolução pacífica na RDA, reunindo a cada semana um número maior de pessoas.
Momentos críticos foram as passeatas de 9 de outubro – com 70 mil pessoas a exigir liberdade de viagem e eleições livres – e a de 16 de outubro, que reuniu 120 mil. Apesar do grande aparato repressivo, prevaleceram os apelos à sensatez e evitou-se um massacre. Durante o mês de outubro, realizaram-se manifestações em todas as cidades grandes, engrossando o coro dos protestos.
Aparentemente insensível ao movimento, a cúpula da RDA festejou com desfiles militares, em 7 de outubro, o 40º aniversário da fundação do Estado comunista. Foi por ocasião dessas festividades que Gorbatchov pronunciou a célebre frase, ao conversar com o chefe de Estado, Erich Honecker, então com 77 anos: "A vida castiga quem chega tarde".
Numa tentativa de salvar o que ainda era possível, Egon Krenz, que se tornaria o sucessor de Honecker, encenou um golpe branco com o apoio de Gorbatchov. Honecker foi afastado do cargo na reunião do Politburo em 17 de outubro, e Krenz o substituiu. As manifestações, porém, não cessaram. Em Leipzig, 300 mil pessoas se reuniram no dia 30 de outubro. Em Berlim Oriental, a multidão ultrapassou meio milhão em 4 de novembro. No dia 7, o governo do primeiro-ministro Willi Stoph renunciou; no dia 8, o Politburo.
Equívoco precipitou o fim
Com toda essa instabilidade, bastou um pequeno equívoco para selar o fim do regime alemão-oriental. No dia 9 de novembro, coube a Günter Schabowski, o novo secretário de Informação do Comitê Central, anunciar à imprensa as novas diretrizes sobre viagens ao exterior, que eliminavam qualquer condição prévia para a concessão de vistos para deixar o país. "Anuncie isto. Vai ser uma sensação e um ponto a nosso favor", disse Egon Krenz, ao entregar as duas páginas recém-aprovadas pelo Comitê Central a Schabowski, que se ausentara no momento da aprovação do documento e não conhecia seu conteúdo em detalhe.
Schabowski não percebeu que a diretriz só deveria ser divulgada no dia seguinte. Quando um jornalista italiano perguntou quando a medida entraria em vigor, hesitou, consultou o texto e pronunciou a frase que derrubaria o Muro: "Que eu saiba, ela entra em vigor... agora, de imediato". Na verdade, ele se referia à manhã seguinte, quando as repartições abrissem, pois ainda era preciso solicitar visto de saída. Mas os alemães-orientais tomaram suas declarações literalmente como senha para avançar em direção à fronteira.
Como o Conselho de Ministros ainda não aprovara as diretrizes, as tropas e os postos fronteiriços não tinham instruções e foram tomados de surpresa com a massa de gente que se aglomerou nos postos de passagem para Berlim Ocidental. O bom senso triunfou, e nenhum tiro foi disparado quando centenas de pessoas passaram para a Alemanha Ocidental.
Os primeiros ainda receberam um carimbo de "expatriado", mas depois não restou alternativa aos soldados senão abrir caminho. O êxodo e a confraternização duraram toda a noite. Pela primeira vez, alemães-ocidentais e alemães-orientais podiam movimentar-se livremente de um lado da fronteira para o outro. O então chanceler federal alemão, Helmut Kohl, recebeu a notícia em Varsóvia, onde se encontrava em visita oficial, regressando na mesma noite a Berlim.
Terceira via não teve vez
A cúpula do SED ainda tentou salvar o regime, reformando-o, mas era tarde demais. Hans Modrow, considerado aliado de Gorbatchov, tornou-se o novo chefe de governo da RDA em 13 de novembro. Novas revelações sobre privilégios e mordomias dos altos funcionários e as dimensões do sistema de espionagem do Stasi causaram revolta. Em janeiro de 1990, o SED já perdera a metade dos seus 2,3 milhões de filiados.
O vácuo de poder foi preenchido pelo movimento cívico de oposição. Conforme o modelo polonês, surgiram "mesas-redondas" em várias cidades da RDA. Por maiores que fossem seus méritos – entre eles a dissolução do Ministério de Segurança do Estado – contudo, esse movimento acabou na contramão da história, ao insistir na independência da República Democrática Alemã e numa "terceira via" entre capitalismo e socialismo. Enquanto isso, aumentavam na RDA os partidários da reunificação.
Kohl aproveitou a oportunidade
Inicialmente, o governo alemão-ocidental reagiu de forma reservada aos acontecimentos no outro Estado alemão. Ao ver aumentar o clamor popular pela reunificação e notando sinais de que Moscou não se oporia a ela, Helmut Kohl passou à ofensiva. Em 28 de novembro, apresentou ao Parlamento o Zehn-Punkte-Programm, programa de dez ações para superar a divisão da Alemanha.
A princípio, Helmut Kohl contava com três ou mais anos até a reunificação, mas mudou de opinião ao ser calorosamente recebido em Dresden em 19 e 20 dezembro de 1989. Foi quando notou que "não havia margem para uma fase de transição e que o regime estava no fim". Hans Modrow ainda acenou com a proposta de uma reunificação em quatro fases, que tinha um grande senão: a neutralidade da Alemanha reunificada, o que era inaceitável para a RFA.
O governo Modrow perdia rapidamente a autoridade. As instituições do Estado estavam em processo de dissolução e a situação econômica piorava a olhos vistos. Neste cenário realizaram-se, em março de 1990, as primeiras eleições livres para o Parlamento na RDA, que culminaram com a vitória da Aliança pela Alemanha, uma coligação entre a União Democrata Cristã (CDU) e a União Social Alemã (DSU), com 48,1% dos votos.
A maioria dos novos partidos no Leste tinha seu correspondente na RFA. Setenta e cinco por cento do eleitorado votou em partidos favoráveis à unificação. O SED, que logo se transformaria no Partido do Socialismo Democrático (PDS), obteve 16,3% – em dezembro, seu papel como líder na RDA havia sido riscado da Constituição. A função do último governo da RDA, encabeçado por Lothar de Maizière, era encaminhar a unificação e negociar as melhores condições possíveis para os alemães-orientais.
União monetária e tratados da reunificação
O governo de Bonn apressou as negociações sobre uma união monetária, entre outras coisas, para conter a contínua emigração da RDA. No dia 18 de maio de 1990, os Parlamentos dos dois Estados aprovaram um tratado que praticamente estendeu os sistemas monetário, econômico e social vigentes na República Federal da Alemanha à República Democrática Alemã. O marco alemão-ocidental tornou-se, assim, a moeda dos dois países.
O tratado, que entrou em vigor em 1º de julho do mesmo ano, estipulou um câmbio de 1 a 1 para salários, aposentadorias, aluguéis e outros pagamentos correntes na Alemanha Oriental. Essa também foi a taxa de câmbio para poupanças com limite entre 2 mil e 6 mil marcos orientais. As importâncias além desses limites foram trocadas na proporção de 2 por 1. No câmbio negro, 1 marco ocidental chegou a valer 15 marcos orientais ou mais.
Por outro lado, negociações dos dois Estados alemães com os Aliados da Segunda Guerra Mundial (EUA, França, Reino Unido e União Soviética) – as chamadas conversações 2+4 – culminaram com a assinatura, em Moscou, em 12 de setembro de 1990, de um tratado dando plena soberania à Alemanha unificada.
A Alemanha, por sua vez, reconheceu como invioláveis as fronteiras vigentes na Europa, comprometendo-se a reafirmar a fronteira com a Polônia, demarcada pelos rios Oder e Neisse, num tratado bilateral com este país, assinado em 14 de novembro do mesmo ano.
No dia 20 de setembro, os Parlamentos de Bonn e de Berlim Oriental aprovaram o Tratado de Unificação. Os cinco estados alemães-orientais – Brandemburgo, Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental, Saxônia, Saxônia-Anhalt e Turíngia – passaram a integrar o território da República Federal da Alemanha a partir de 3 de outubro de 1990.
No dia 2 de dezembro, foram realizadas as primeiras eleições parlamentares da Alemanha unificada. Venceu a coalizão entre democrata-cristãos e liberais liderada por Helmut Kohl, que se tornou assim chanceler federal pela quarta vez e o primeiro chefe de governo da Alemanha reunificada.