A máquina de leituras
22 de setembro de 2003"Mas como são as leituras públicas de hoje?" – indagava-se o escritor húngaro Lásló F. Földényi, num artigo publicado no diário taz, pouco antes do início do Festival de Literatura de Berlim – "A primeira coisa que me chama atenção: elas não são nada românticas (...), por terem adquirido algo rotineiro. Primeiro, os escritores lêem rotinizados. Toda semana, todo mês, têm a oportunidade de ler seus textos, até conseguir recitá-los de olhos fechados. Por outro lado, o sistema de leituras públicas é que se tornou rotineiro, acima de tudo. Em nenhum outro espaço lingüístico europeu se desenvolveu tanto uma cultura da leitura pública como na Alemanha. (...) Mas isso não afeta a qualidade literária dos livros lidos. A longo prazo, é duvidoso que isso traga vantagens."
Who’s who?
Internacionalizando a máquina de leituras públicas, o 3º Festival de Literatura de Berlim reuniu, de 10 a 21 de setembro, cerca de 150 autores, oferecendo ao público mais de 350 eventos em 27 línguas. Apesar de não ser um evento de high lights literários, o programa não deixou de incluir nomes como os dos detentores do Prêmio Nobel Imre Földényi (húngaro), o sueco Lars Gustafsson, o inglês-indiano Shashi Tharoor e os alemães Günter Grass e Martin Walser. Entre a babel de escritores internacionais menos renomados, o festival certamente não priorizou escritores "representativos" dos diversos países, o que levou a crítica a condenar o evento por falta de critério.
Com ou sem critério, o grande mérito do festival é incentivar a tradução de autores ou textos ainda inéditos em língua alemã. Muitos dos textos lidos, sobretudo de poesia, são traduzidos especialmente para o evento. A "Antologia de Berlim" (Berliner Anthologie), publicada por ocasião do festival, em sua terceira edição, inclui textos sobre Berlim, escritos por autores editados em parte pela primeira vez no país.
O peso institucional
Em comparação com outros importantes festivais de literatura – como os de Toronto, Londres, Roterdã, Mantua e Medellin – o de Berlim é o mais internacional. Resta saber até que ponto a presença simultânea de tantos estrangeiros na capital alemã pode contribuir para a literatura local se reciclar, tornando-se mais permeável a outras vozes e influências. A maratona das leituras públicas certamente contribui para abrir os ouvidos a diferentes dicções, mas dificilmente pode salvar a produção literária local do peso da institucionalidade da qual reclamou o húngaro Földényi.
O Festival Internacional de Literatura de Berlim é subvencionado com 450 mil euros pela Fundação Cultural da União, uma quantia suficiente para fazer a opinião pública questionar a relevância do investimento, sobretudo em um período de vacas tão magras para a cultura. Muitos passaram a questionar até que ponto este tipo de apoio institucional realmente contribui para o desenvolvimento das artes. Como julga Földényi, "talvez isso até impeça que a literatura cresça, assim como o exagerado amor materno pode dificultar que a criança mimada se torne adulta."