A Berlim imaginária de Campina Grande
27 de dezembro de 2005A cineasta Anna Azevedo (Rio de Jano, Batuque na Cozinha) rodou em Berlim e na paraibana Campina Grande, nos últimos meses, o curta BerlinBall. O filme, que tem sua estréia marcada para o Festival Internacional de Cinema de Berlim, em fevereiro próximo, mostra como a capital alemã se tornou um mito para os jovens da terra de Marcelinho, jogador brasileiro do Hertha Berlim.
Com fotografia de Walter Carvalho (Central do Brasil, Lavoura Arcaica) e música-tema do projeto berlinense Goal Vibes (Marie Leão, Neide Alves e renata érri), o curta de 15 minutos vai concorrer dentro do festival a um dos prêmios da sessão Talent Campus, o Berlin Today Award.
"A música é um tecno (Berlim) – São João (Campina Grande) aceleradíssimo, com cara de música de torcida, bem pop. Para ouvir alto! A idéia é fazer dela um hit de Copa off", diz Marie Leão.
Sonhos de uma vida melhor
Em entrevista à DW-WORLD, a cineasta Anna Azevedo afirma que seu filme se atém a "uma Berlim idealizada na cabeça dos meninos brasileiros", conta que reuniu tanto material, que teria imagens suficientes para fazer um longa, e alerta: "Este não é um filme sobre futebol. Se Marcelinho fosse jogador de vôlei, seria um filme sobre o mesmo mote: o sonho, materializado numa bola de vôlei". Leia mais:
DW-WORLD – No seu projeto inicial, a idéia era descobrir como as pessoas vêem Berlim em Campina Grande e como seria a verdadeira Berlim de Marcelinho. Como foi ir atrás dessas "duas Berlins", uma real e outra imaginária?
Anna Azevedo – Eu tinha duas possibilidades: uma era trabalhar só com o universo do sonho, uma Berlim onírica. A outra era confrontar a Berlim onírica com a Berlim "real" do Marcelinho. O meu desejo sempre foi trilhar apenas o caminho do sonho e fazer um filme sobre uma Berlim idealizada na cabeça de meninos do Brasil.
E o curta-metragem, por exelência, é espaço para as idéias concisas. Por isso, BerlinBall tem 15 minutos de uma Berlim-sonho. Não havia espaço para esta segunda Berlim. Até porque cinematograficamente a primeira é muito mais interessante.
É possível "traduzir" o universo de Campina Grande para o público europeu, que vai assistir a seu filme durante o próximo Festival de Cinema de Berlim?
Filmei em Campina Grande, mas poderia ter filmado em qualquer outra cidade do mundo, onde haja meninos que sonham em ser craques de futebol. A matéria-prima deste filme é o sonho de uma vida melhor. E este sonho reside em todas as cidades do mundo, Campina Grande ou Berlim. O sonho é universal.
Você esteve por várias semanas trabalhando em Campina Grande e depois em Berlim. Poderia falar um pouco sobre a distância entre o universo mítico desses meninos no Nordeste brasileiro, que sonham com a capital alemã, e a realidade da cidade?
Para os meninos de Campina Grande, Berlim é um campo de futebol com gramado perfeito. É o Estádio Olímpico, casa do Hertha Berlim. Eles têm poucas informações sobre a cidade, ouviram falar do Muro de Berlim, outros possuem algum suvenir trazido por amigos do Marcelinho.
Mas são imagens e informações fragmentadas. O símbolo máximo da capital alemã, em Campina Grande, é a camisa do Hertha. Aliás, por mais que pareça absurdo, é mais fácil encontrar camisas do time berlinense em Campina Grande que em Berlim!
Você diz que poderia ter montado um longa com o que rodou. Existem planos de utilizar esse material "que sobrou" de alguma forma?
Temos quase 30 horas de material bruto, informações suficientes para fazer outro filme, de temática completamente diferente. Gostaria de acompanhar os primeiros meses de um jogador de Campina Grande em Berlim: a saída da cidade natal e o encontro com a capital mais excitante da Europa e a busca por uma equipe. Isto porque, não raro, Marcelinho tenta ajudar algum jogador de sua cidade, trazendo-o para Berlim.
Seu filme concorre ao Berlin Today Award ao lado de um curta de ficção – o holandês Under These Things, de Harrie Verbeek – e do curta de animação If you need me, de Darija Andovska (Macedônia) e Mladen Djukic (Bósnia-Herzegóvina). Você acha que em ano de Copa do Mundo e de Copa da Cultura brasileira em Berlim, seu filme já tem um bônus?
Não. Os jurados e o público não estão interessados em futebol. Estão interessados em cinema. E este não é um filme sobre o esporte futebol. Se Marcelinho fosse jogador de vôlei, seria um filme sobre o mesmo mote – sonho – materializado numa bola de vôlei.
Conheço os outros dois trabalhos, estivemos juntos em Berlim durante um workshop, e tenho certeza absoluta de que serão filmes maravilhosos. O nosso maior prêmio, na verdade, é a concretização de mais um filme e poder exibi-lo para uma platéia e para jurados qualificados.