A arte mágica e política do chileno Alfredo Jaar invade Berlim
29 de junho de 2012Questionado sobre o teor político de sua arte, o artista chileno Alfredo Jaar citou o cineasta francês Jean-Luc Godard: "Talvez seja verdade que temos que escolher entre ética e estética, mas também é verdade que não importa o que você escolher, você vai sempre encontrar as duas no fim de sua jornada".
A frase de Godard permeia toda a grande retrospectiva dedicada a Jaar em Berlim e que acontece simultaneamente na Berlinische Galerie, na NGBK e na Alte Nationalgalerie, três grandes instituições de arte da capital alemã.
"O que pode ser visto nessas três exposições são nada mais que exercícios, pois eu nunca estudei arte. Sou um arquiteto que faz exercícios de representação. Às vezes de uma realidade que não pode ser representada", declarou Alfredo Jaar na abertura da exposição.
A mostra oferece uma ampla visão da produção artística de Jaar na últimas quatro décadas. Partindo geralmente de uma ideia simples, o trabalho dele envolve fotografia, textos e instalações de luzes e aborda predominantemente temas sociais, políticos, humanitários e as relações de poder e violência entre as nações industrializadas e os chamados países do terceiro mundo. "Nós artistas criamos modos diferentes de pensar o mundo", completou.
Experimental e questionador
Nascido no Chile em 1956, Jaar estudou arquitetura e cinema e começou sua carreira artística no país natal. Entre 1974 e 1981 produziu uma série de trabalhos que questionavam a situação do Chile, adaptando formas de resistência e desviando a atenção das autoridades do conteúdo do seu trabalho.
"Achei que essas obras estivessem mortas. A maioria são erros ingênuos de um jovem artista", declarou Jaar sobre o trabalho exposto na NGBK. Porém a ideia simples e o desenvolvimento grandioso e complexo já estavam presentes nos experimentos iniciais.
Os primeiros trabalhos de Jaar utilizavam frequentemente design gráfico e fotojornalismo e transmitiam sua mensagem de uma forma sutil. Ele questionou a felicidade dos chilenos em Estudos sobre a felicidade ou expôs sua reação aos acontecimentos no Chile no autorretrato feito em 1977, durante uma viagem aos Estados Unidos, com então modernas impressões de computador.
No começo dos anos 1980, Jaar deixou a ditadura chilena e se instalou em Nova York. Fascinado com o mundo artístico da cidade, consumiu tudo o que podia nos primeiros anos e constatou que o centro da arte contemporânea no mundo era mais provinciano do que ele imaginava. "Eles só falam deles mesmos. Queria mostrar o que eu lia nos jornais, queria trazer o mundo para Nova York."
Ouro brasileiro
A mudança na carreira do artista aconteceu em 1986, quando ele leu um artigo sobre a mina de ouro de Serra Pelada no The New York Times. "Ganhei uma bolsa da fundação Guggenheim e fui ao Brasil fotografar a realidade para mostrar ao resto do mundo", contou.
Quando voltou do Brasil, Jaar alugou todos os espaços publicitários de uma estação de metrô em Nova York e expôs as fotos dos trabalhadores no garimpo brasileiro ao lado do preço do ouro em diferentes mercados pelo mundo. "Queria conectar as pessoas que passavam por ali ao mundo real."
O trabalho chamou a atenção dos curadores da Bienal de Veneza, e Jaar foi convidado a participar. A oportunidade deslanchou sua carreira internacional. "Nesse ponto as coisas começaram a mudar e eu comecei a olhar para o resto do mundo. Superei meu próprio provincianismo de falar somente sobre o Chile", completou.
A mágica e o mundo
O trabalho de Jaar começou a ganhar o mundo, e ele participou de bienais em São Paulo, Istambul, Sevilha e Johannesburgo. Teve exposições individuais no MoMA, em Nova York, na Whitechapel Gallery, em Londres, e na Moderna Museet, em Estocolmo. Além de importantes e significativos trabalho em duas Documentas, na Alemanha.
O fotojornalismo e as grandes instalações de luz, que podem ser vistos na Berlinische Galerie, também surgiram nesse período. O olhar de Jaar se expandiu para diversas partes do mundo, com projetos na Ásia, na América e na África.
Um dos mais significativos foi o seu extenso trabalho em Ruanda, onde durante seis anos registrou o genocídio e suas consequências. Fugindo do óbvio, ele não só mostrou a humanidade de um povo destruído, como também refletiu sobre a atenção que a mídia mundial dá ao continente africano e sobre como o mundo ignorou uma tragédia anunciada.
"Tudo que eu sei sobre o mundo aprendi sendo um artista. Quando eu era mais jovem, eu era um mágico. Eu fazia mágica porque achava que assim mudaria o mundo. Não deu certo, então eu descobri a arte. Eu acredito que a arte pode trazer mudanças. Por isso eu sou um artista", disse Jaar.
Passear pela carreira de Jaar em diferentes espaços, fotos, luzes e instalações é como olhar de uma maneira muito particular para um ponto simples, mas quase genial e certamente mágico, onde realidade, mídia, história e arte se misturam.
A retrospectiva Alfredo Jaar – Uma estética da resistência está em cartaz em Berlim na NGBK (até 19/08), na Berlinische Galerie (17/09) e na Alte Nationalgalerie (16/09).
Autor: Marco Sanchez
Revisão: Alexandre Schossler