A ameaça nuclear de Putin: bravata ou real possibilidade?
21 de setembro de 2022O discurso é abertamente uma retórica de guerra: "Gostaria de lembrar àqueles que fazem afirmações sobre a Rússia que o nosso país também dispõe de vários meios de destruição e que, em alguns casos, eles são mais modernos do que os dos países da Otan. Se a integridade territorial russa for ameaçada, utilizaremos todos os meios disponíveis para proteger a Rússia e o nosso povo."
Foi isso que o chefe do Kremlin, Vladimir Putin, comunicou à população russa – e mundial – nesta quarta-feira (21/09). O líder russo acusa o Ocidente de chantagem nuclear. E não deixa dúvidas sobre a sua posição: "Isso não é um blefe. E aqueles que tentam nos chantagear com armas nucleares devem saber que a direção dos ventos pode mudar e apontar para eles."
Em seu discurso, Putin não apenas ameaçou o Ocidente por meio do uso de armas nucleares, como também anunciou a mobilização parcial de 300 mil reservistas.
"Desde o início da guerra, temos ouvido repetidamente ameaças do tipo, que podem ser interpretadas como uma ameaça de uso de armas nucleares", aponta o coronel da reserva da Bundeswehr (Forças Armadas alemãs) e especialista em política de segurança Wolfgang Richter, em entrevista à DW.
"A ideia por trás disso é possivelmente [enviar] um recado aos Estados ocidentais: se vocês [o Ocidente] interferirem na guerra ou mesmo atacarem o território russo, um ataque nuclear torna-se mais provável", acrescenta.
Em entrevista à BBC, a ex-secretária-geral adjunta da Otan Rose Gottemoeller não descarta a possibilidade de que a Rússia possa, de fato, utilizar armas nucleares: "Receio que, agora, eles possam atacar de maneira imprevisível. E de uma forma que poderia envolver até mesmo o uso de armas de destruição em massa", advertiu.
Richter, por outro lado, não vê a situação de maneira tão dramática e aponta para a doutrina nuclear russa, que prevê o uso efetivo de armas nucleares em apenas dois casos: "Primeiramente, se a própria Rússia for atacada por armas nucleares ou de destruição em massa. Em segundo lugar, se a existência e a sobrevivência do Estado russo estiverem em jogo". No entanto, caso áreas invadidas forem anexadas pela Rússia e posteriormente declaradas como parte do território russo, tais cenários previstos na doutrina não teriam força na legislação internacional, argumenta o especialista.
Rússia tem o maior arsenal nuclear do mundo
Com 6.375 ogivas, a Rússia tem o maior arsenal nuclear do mundo. Dos integrantes da Otan, os Estados Unidos têm o maior poderio, com cerca de 5.800 ogivas. Estima-se que a França possua 290, e o Reino Unido, por volta de 215. Os números exatos não estão disponíveis, já que os países mantêm diversas informações sobre seus programas nucleares sob sigilo.
Ainda que se fale sobre uma "proteção nuclear" dos EUA, um ataque nuclear contra a Europa não poderia ser evitado, militarmente falando. A proteção, neste caso, baseia-se mais na suposição de que um rival militar não se atreveria a atacar porque teria de contar com um contra-ataque.
Uma resposta militar para um suposto ataque russo poderia ser organizada e executada pelas potências nucleares da Otan: EUA, França e Reino Unido. Todas as três têm armas estratégicas que poderiam ser lançadas a partir de submarinos nucleares, por exemplo, o que permitiria um contra-ataque em qualquer cenário possível.
Quem decide sobre o uso de armas nucleares?
O primeiro a decidir e depois autorizar o uso de armas nucleares americanas estocadas na Alemanha, Itália, Bélgica e Holanda é o presidente dos Estados Unidos. Depois, o país onde os armamentos estão alocados precisa concordar com o lançamento a partir de seus próprios caças. Antes, porém, é provável que ocorram consultas com outros membros da Otan no Conselho do Atlântico Norte, o principal órgão de decisões políticas da organização.
Sobre o uso de armas nucleares da França, a decisão cabe exclusivamente ao presidente francês. No Reino Unido, quem decide é o primeiro-ministro.
Os três países, EUA, França e Reino Unido, compõem, portanto, três centros distintos de tomadas de decisões, o que pode ser considerado um elemento de dissuasão, a fim de dificultar aos adversários um cálculo preciso de como a Otan reagiria em caso de ataque.
Como a Alemanha participa da dissuasão?
A Alemanha participa das ações de dissuasão nuclear na Europa com caças Tornado da Força Aérea alemã, estacionados na base de Büchel, no estado da Renânia-Palatinado, no sudoeste do país. Em uma situação de emergência, portanto, aeronaves com militares alemães voariam com armas nucleares americanas rumo ao alvo. Pelo menos uma vez por ano, pilotos da Bundeswehr fazem simulações para lançar bombas nucleares em objetos que imitam o alvo real.
Além da Alemanha, a Holanda, a Bélgica e a Itália também participam dos exercícios de dissuasão da Otan na Europa. Entre 100 e 150 bombas certificadas para essas aeronaves estão atualmente armazenadas no continente, segundo relatórios.
Intimidação russa não é recente
Desde a anexação da Crimeia pela Rússia, em 2014, o presidente russo tem repetidamente feito ameaças quanto ao uso de armas nucleares. Provavelmente, isso envolveria a utilização das chamadas armas nucleares táticas, que têm um poder explosivo relativamente baixo. Elas poderiam ser usadas com um efeito bem baixo, de modo a provocar um ataque nuclear com cerca de um quinquagésimo do poder de destruição da bomba que devastou Hiroshima, no Japão.
Richter, no entanto, duvida que um ataque nuclear possa realmente acontecer: "Se a Rússia quebrar o tabu nuclear que existe desde 1945, o país também ficaria isolado e ostracizado em todo o mundo. Putin perderia todos os seus aliados, inclusive a China. Isso teria consequências incalculáveis para a sobrevivência política, econômica e social da Rússia."
O especialista em política de segurança considera, portanto, uma guerra nuclear entre Rússia e Otan bastante improvável: "A Rússia não poderia vencer, pois isso levaria a uma destruição mútua. Acredito que esse tanto de racionalidade ainda exista no Kremlin."
Talvez Putin também se lembre da declaração categórica proferida pelo presidente dos EUA, Joe Biden, há alguns dias. Em entrevista à rede CBS, Biden advertiu Putin veementemente contra o uso de armas nucleares ou químicas: "Não faça isso. Mudaria a face da guerra como nada mais o fez desde a Segunda Guerra Mundial."