Turismo: Cabo Verde em ascensão, Moçambique em recuperação
24 de abril de 2017O turismo tem fama de ser uma atividade impulsionadora da economia, no entanto, e no caso de Cabo Verde, onde o modelo de all-inclusive – pacotes tudo incluído - é campeão, a questão dos ganhos efetivos provenientes deste setor para a comunidade local é muitas vezes posta em causa. Em Moçambique, um destino com grande potencial nos segmentos de sol, praia e natureza, este é um setor que não tem dado o contributo desejado para a economia do país. Se em Cabo Verde, o turismo representa mais de 20% do PIB, em Moçambique, estima-se que este não chegue a representar 3%. A DW falou com alguns operadores e players do mercado que nos traçaram a realidade atual do turismo em cada um destes dois destinos.
All-inclusive: um modelo do qual Cabo Verde não pode fugir
Quando se fala de turismo em Cabo Verde, a questão do all-inclusive é muitas vezes abordada, um facto que não é uma surpresa, uma vez que, como lembra Victor Fidalgo, consultor na área de turismo e representante do The Resort Group PLC, "o all-inclusive nasceu com o turismo em Cabo Verde”, na medida em que, quando começou o desenvolvimento deste setor no país, "não havia outras alternativas”.
Hoje, e estando Cabo Verde a concorrer pela atenção do turista de sol e praia com outros destinos turísticos – como as Canárias ou as Caraíbas – o all-inclusive é "um modelo do qual, pura e simplesmente, não podemos fugir”, acrescenta Alexandre Abade, administrador do grupo Oásis Atlântico Hotels&Resorts. Como explica o hoteleiro, o all-inclusive "atrai turistas que de outra forma nunca escolheriam Cabo Verde para passar as suas férias”. "Quando um turista vai para um destino emergente ou que ainda não conhece, procura alguma segurança e conforto, portanto, é normal que numa primeira fase as pessoas escolham o all-inclusive”, explica.
Victor Fidalgo defende que a proliferação deste modelo em Cabo Verde prende-se também com a falta de oferta e alternativas nas ilhas. A seu ver, o país não tem ainda condições – ao nível de infraestruturas, saneamento, ordenamento ou embelezamento das cidades – para atrair o turista que viaja fora do all-inclusive e que tem, a seu ver, "mais dinheiro” e "outras exigências”. Uma opinião que não é partilhada por Alexandre Abade. Para o hoteleiro, a associação do cliente de all-inclusive a um turista com menor poder aquisitivo não pode ser generalizada. "Temos o caso de alguns hóspedes do hotel que marcam em all-inclusive por uma questão de conforto, mas que depois acabam por fazer algumas refeições fora”, exemplifica, acrescentando que, na sua opinião, "as pessoas escolhem comprar um pacote com tudo incluído por uma questão de segurança, conforto e não, necessariamente, por uma questão de limitação de recursos”.
No que toca ao futuro do setor neste destino, Victor Fidalgo destaca que deve fazer parte das ambições do Governo, "conquistar investidores que façam produtos de melhor qualidade”. "Tem que atrair investidores e começar a encorajar, quase que exigir, produtos que funcionem fora do all-inclusive, mas com melhor qualidade”, afirma. Segundo o consultor, atingir a meta de um milhão de turistas até 2019 é possível, no entanto, a seu ver, atualmente, o problema de Cabo Verde está mais relacionado com a qualidade do que com a quantidade de turistas. "Neste momento, em vez de atingir o milhão (de turistas), iria pensar em aumentar o gasto por turista” – que está nos cerca de 520 euros por estadia”, dá conta.
Moçambique: turismo de lazer e negócios são realidades diferentes
Em Moçambique, a realidade é um pouco diferente. Nos últimos tempos, os números revelados pelo Governo não têm reunido consenso com o setor privado nem têm estado em consonância com o facto de várias unidades hoteleiras terem fechado portas por falta de clientes.
À DW África, Pedro André de Sousa, administrador do grupo Montebelo Hotels & Resorts em Moçambique, explica que "esta aparente incoerência pode ser explicada com a separação entre turismo de negócios e turismo de lazer”. Apesar "do grande potencial de Moçambique em termos de lazer”, um "conjunto de circunstâncias” tem feito com que o país esteja neste campo, "muito abaixo das expetativas”, afirma o responsável. Já o turismo de negócios, ainda que tenha vindo a cair nos últimos anos, tem registado números "interessantes” .
Raufo Usta, responsável da Federação Moçambicana de Hotelaria e Turismo (FEMOTUR) não tem dúvidas de que "os números apresentados pelo Governo não são os mais reais” – sendo na sua opinião, a melhoria da recolha de informação estatística, um dos grandes desafios do setor público, mas também do privado, no país.
Usta afirma também que, em 2017, e "reflexo da desestabilização” e consequente queda do número de turistas que se regista desde 2014, ainda não haverá "resultados positivos que possam alegrar o setor do turismo”. No entanto, e tendo em conta que a "situação em relação à paz melhorou no final de 2016/inicio deste ano”, as pespetivas para o futuro são positivas. E os resultados alcançados na Páscoa refletem isso mesmo. "O número de turistas foi considerável, o que abre perspetivas para que na época alta possamos ter os números que sempre tivemos”, afirma.
Constatando que a queda do número de turistas se deve a "um marketing negativo do país no exterior" - embora, claro, associado à instabilidade política -, Pedro André de Sousa lembra que existem, no entanto, outros fatores: "havia a expetativa de que iriam haver avanços em vários aspetos, como o desenvolvimento de infraestruturas ou nas deslocações e voos dentro de Moçambique, e que não se confirmaram”.
Raufo Usta dá conta que a Federação tem estado a dialogar com o Governo com vista a obter melhorias em alguns pontos cruciais para o incremento de turistas no país. "Uma das coisas pela qual muito batalhámos foi que o Governo voltasse a emitir vistos de fronteira para fins turísticos. Neste momento, estão a ser aplicados”, dá conta o responsável, acrescentando que a Federação está também a trabalhar no sentido de conseguir que o "espaço aéreo seja mais liberado para que outras companhias aéreas possam entrar e operar em Moçambique”. "Não está nada definido, mas acreditamos que é uma das prioridades para conseguirmos ter maiores fluxos de turistas”, acrescenta.
Inhambane é a província mais afetada
Aos olhos de Pedro de Sousa, a informação que passa para o exterior sobre a realidade de Moçambique tem "um impacto exagerado em relação à realidade”. Mas "como é que se explica (aos potenciais turistas) que as questões de segurança são localizadas numa determinada região?”, interroga. Região essa que, como recorda o responsável da FEMOTUR, é a que "recebe mais turistas (de lazer)” no país.
Raufo Usta lembra ainda que, este ano, para além das já conhecidas condicionantes, a província de Inhambane foi abalada por um ciclone. Segundo este responsável, o motivo que levou ao recente encerramento de muitas unidades hoteleiras na província foi precisamente o ciclone e não a falta de turistas, ainda que a queda do número de visitantes seja uma realidade e tenha sido responsável pelo fecho de alguns hotéis no passado.
Contributos da hotelaria para a economia local
No caso de Cabo Verde, o turismo tem sido uma das atividades chave da economia. Segundo Victor Fidalgo, "o turismo em 2002 representava cerca de 3% do PIB do país, hoje representa 22/23%” e foi responsável, em 2016, e de acordo com os dados do Instituto Nacional de Estatística, por 7742 empregos. A hotelaria é um dos setores com maior impacto, contribuindo diretamente para a economia, quer pela geração de emprego, quer pelo pagamento de impostos.
No grupo Oásis, por exemplo, trabalham 800 funcionários. Segundo Alexandre Abade, o grupo procura "apostar sempre que possível em quadros cabo-verdianos”. "Estamos a garantir uma maior estabilidade ao grupo”, dá conta, acrescentando que, em cada sete quadros de topo nos hotéis, cinco são cabo-verdianos. No que concerne aos benefícios indiretos para a economia do país, Alexandre Abade afirma que o seu grupo procura "dentro do que existe, comprar produtos nos mercados locais” e também "estimular que os seus hóspedes se sintam confortáveis para sair dos hotéis”, apoiando assim o comércio relacionado com o artesanato, venda de lembranças e a restauração.
Aos olhos de Victor Fidalgo, no campo das oportunidades dadas pelas diferentes cadeias hoteleiras aos funcionários locais, em Cabo Verde, ainda há trabalho a fazer. "Devemos gerir melhor os vistos ou a autorização de trabalho. Os departamentos ligados ao trabalho e à certificação das profissões é que devem avaliar se temos ou não necessidade desta ou daquela profissão antes da polícia dar autorização de residência”, afirma o consultor, chamando a atenção para a crescente "migração interna em Cabo Verde” motivada pelas oportunidades de trabalho no setor turístico. "Pessoas que deixam as suas ilhas e que vão para o Sal e Boa Vista, onde têm trabalho e vivem melhor”, afirma.
Em Moçambique, nas seis unidades hoteleiras que o grupo Montebelo possui, trabalham cerca de 400 pessoas, 95% das quais moçambicanas. "É sempre mais sensato para uma empresa contratar recursos locais, desde que tenham a formação adequada, do que mandar vir alguém de fora, porque acaba por ficar mais caro”, explica Pedro de Sousa.
Taxa turística: para que deve servir?
Em Cabo Verde, por cada noite passada no destino, o turista paga uma taxa de dois euros. Para Alexandre Abade, a receita proveniente desta taxa deve ser canalizada para o desenvolvimento do país, nomeadamente, em áreas como a promoção do destino, a formação e o ordenamento do território. Victor Fidalgo entende que "já se deu um primeiro passo na melhoria" da utilização da taxa turística, mas ainda há outras medidas a serem tomadas, como a "concentração da quase totalidade dos recursos na melhoria das condições da oferta, e uma pequena parte para apoiar assuntos institucionais do Estado e não da Câmara do Turismo ou de qualquer outra entidade privada”.
Apesar de já ter sido aprovada pelo Governo, a taxa turística ainda não está em vigor em Moçambique. Neste país, o valor cobrado deverá ser de 1% do total da estadia. Também o hoteleiro Pedro André é defensor de que a taxa deve ser aplicada na promoção do destino, principalmente agora que "as mensagens negativas passadas no exterior precisam de ser corrigidas com mensagens positivas”. Deverá ainda servir, na sua opinião, "para criar circuitos e atividades que façam com que as pessoas fiquem mais tempo e que gastem mais dinheiro”. Uma visão também partilhada pela FEMOTUR que, acrescenta à lista de prioridades das receitas arrecadadas por esta taxa, que no seu entender devem ser "encaminhadas para uma instituição cogerida pelo setor público e privado”, a formação profissional dos trabalhadores da indústria de turismo e a promoção do associativismo empresarial.
Oásis, Visabeira e The Resort Group com planos de expansão
O The Resort Group PLC tem já em fase de construção a sua quarta unidade hoteleira em Cabo Verde, desta feita na ilha da Boa Vista – o White Sands. O empreendimento, nesta primeira fase, deverá empregar entre 300 a 350 pessoas. Posteriormente, já em funcionamento, deverá gerar entre 600 e 700 postos de trabalho. Praia e Mindelo estão também na mira do grupo.
Já o grupo Oásis Hotels &Resorts tem projetos, para além do já anunciado investimento no Tarrafal (ilha de S.Tiago), para a ilha do Sal e, posteriormente, mais dois para a Boa Vista.
A ambição do grupo Montebelo Hotels & Resorts é continuar a crescer em Moçambique. Este ano, devem arrancar dois projetos: um na Reserva de Maputo e outro em Nacala, e que devem representar a criação de, pelo menos, mais 200 empregos diretos. Cabo Delgado e Pemba são outras duas capitais de província onde o grupo pretende investir a curto prazo.