Dez anos de independência e esperanças frustradas
9 de julho de 2021A euforia após a independência do Sudão, a 9 de julho de 2011, foi grande, mas de curta duração. Menos de um ano e meio depois, o país mergulhou numa brutal guerra civil, que ceifou quase 400.000 vidas. Mais de 2 milhões de um total de 11 milhões de sul sudaneses tiveram de fugir das suas casas. Atualmente, dois terços da população dependem de ajuda humanitária no país rico em recursos naturais.
Segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), o país está a sofrer a sua pior crise humanitária até à data. 300 mil crianças com menos de cinco anos de idade correm o risco de morrer de fome, disse a agência nesta terça-feira (6/7).
A UNICEF salientou que a existência dos sul-sudaneses é gravemente afetada pela fraqueza das estruturas estatais, extrema pobreza, crises sociais e económicas, as consequências das alterações climáticas e a pandemia de Covid-19.
O que correu mal?
A autora e pesquisadora Clemence Pinaud que muita coisa correu mal no mais jovem país do mundo: "Especialmente se considerarmos que a violência genocida contra civis de vários grupos étnicos é um problema. E penso que todos podemos concordar que é um problema, assim como o são a corrupção generalizada e o completo fracasso e desinteresse deste Governo em prestar quaisquer serviços à sua população", disse Pinaud à DW.
Durante a luta pela independência desenvolveu-se e acentuou-se dentro do Exército de Libertação do Povo Sudanês (SPLA), dominado pela etnia dinka do Presidente Salva Kiir, uma noção de que se podiam permitir a tudo, explica Pinaud. O resultado é uma espécie de supremacia étnica altamente racista em relação a outras etnias. O que abriu caminho a todo o tipo de violações de direitos humanos.
Em 2013, o Presidente Salva Kiir começou por demitir o Vice-Presidente Riek Machar, um nuer, e, em seguida, acusou-o de conspirar para derrubar o Governo. Foi o início de uma guerra civil que iria durar até 2018, o ano em que os dois rivais assinaram o mais recente e bastante frágil acordo de paz.
Uma liderança comprometida
Apesar de ter sido finalmente formado um governo de unidade nacional em fevereiro de 2020, todo o território nacional permanece em crise. No segundo semestre de 2020, mais de 1.000 pessoas foram mortas em conflitos violentos entre comunidades rivais. Um relatório da Comissão de Direitos Humanos da ONU no Sul do Sudão publicado em fevereiro de 2021, determinou "uma intensificação dos ataques contra a população civil por grupos armados e milícias organizadas e mobilizadas segundo linhas étnicas, frequentemente com o apoio de forças armadas do Estado e da oposição".
Os observadores acusam Kiir e Machar de tentarem ganhar tempo ao atrasarem a plena implementação do acordo de paz. Este inclui o estabelecimento de mecanismos de responsabilização, como um tribunal de crimes de guerra em parceria com a União Africana, que a liderança teima em bloquear.
Alguns peritos dizem que o país tem poucas perspetivas de sucesso enquanto permanecerem no poder os políticos atuais. "Deve-se dar lugar a uma nova geração de líderes, com uma nova mentalidade para refletir a realidade e as diversidades de um Sudão do Sul pós-conflito. É disso que realmente se precisa neste momento", disse à DW Andrews Atta-Asamoah, Investigador Sénior do Instituto Sul-Africano de Estudos de Segurança (ISS).
A luta pela independência também deixou uma marca profunda nas forças armadas, divididas segundo linhas étnicas em grupos que são mais leais a políticos específicos do que ao Estado. Transformam-se assim facilmente em instrumentos no jogo pelo poder político, ao mesmo tempo que exercem, eles próprios, um poder excessivo, especialmente sobre a população civil.
O mundo está cansado desta crise
"Este é um Governo que trabalha através de terror conta civis e aliciando e cooptando figuras da oposição. É muito difícil para as pessoas que se opõem ao Governo permanecerem na oposição, porque isso implica que terão de recusar uma nomeação ou ordem do Governo", explicou Pinaud. A única alternativa para eles é voltarem ao mato para uma vida muito incerta, acrescentou a especialista.
A comunidade internacional não parece estar muito interessada no que se passa no Sudão do Sul. "Penso que é uma questão de cansaço", diz o analista Atta-Asamoah, que salienta que outras crises na região, como a Etiópia, chamam a atenção do mundo.
O papel do Uganda
Clemente Pinaud tem uma opinião diferente sobre a dinâmica regional e internacional em curso no país: "Francamente, sem o Uganda este regime no Sudão do Sul deixaria de existir". O Presidente do Uganda, Yoweri Museveni, é apoiado pelos Estados Unidos da América por causa do seu papel na luta contra o terrorismo na região. O Uganda, que é um Estado cliente dos Estados Unidos, tem o seu próprio Estado cliente no Sudão do Sul, "embora o Uganda esteja a transformar-se cada vez mais numa ditadura militar e esteja a apoiar um regime genocida no Sudão do Sul".
O Uganda não é o único a tirar partido da situação terrível no Sudão do Sul: "Muitos países da região estão a tratar o Sudão do Sul como o seu próprio quintal e a instrumentalizá-lo para, indiretamente, avançarem os seus próprios interesses na região", explica Pinaud. Nestas circunstâncias, é difícil criar uma frente unida para impor uma responsabilização por crimes cometidos contra a humanidade.
Atta-Asamoah não quer perder a esperança. O analista posiciona-se "algures entre o otimismo e o pessimismo" no que diz respeito às perspetivas do país. A pressão externa é importante, admitiu ele. Mas, no final de contas, "o ónus recai sobre os responsáveis no Sudão do Sul. São eles que têm que garantir e trabalhar no sentido de aumentar o progresso", disse o analista.