Shell anuncia abandono de operações em terra na Nigéria
19 de janeiro de 2024A multinacional britânica do setor da energia Shell está sob escrutínio por causa das suas operações na Nigéria e da poluição resultante dessas, especialmente no Delta do Níger, que é rico em petróleo. Esta semana, a empresa anunciou que pretende vender a sua filial nigeriana em terra, a Shell Petroleum Development Company (SPDC), num negócio no valor de 2,4 mil milhões de dólares (2,2 mil milhões de euros).
Os compradores foram designados por Renaissance, um consórcio composto por quatro empresas de exploração e produção sediadas na Nigéria e um grupo internacional de energia. O negócio está ainda sujeito à aprovação do governo nigeriano, mas a Shell afirmou que não abandonará completamente a Nigéria.
"Este acordo é um marco importante para a Shell na Nigéria, que se alinha com a nossa intenção previamente anunciada de abandonar a produção de petróleo em terra no Delta do Níger, simplificando, assim, o nosso portfólio e concentrando o investimento futuro neste país africano, nas nossas posições em águas profundas e gás integrado", afirmou Zoe Yujnovich, diretora da Shell, num comunicado.
Críticas de ativistas
A Nigéria é o maior produtor de petróleo de África e produz cerca de um milhão de barris de crude por dia. Ativistas no local disseram à DW que consideram o plano de desinvestimento em terra da Shell como uma tentativa da empresa evitar assumir a responsabilidade pelos danos resultantes da poluição.
"Estão a fugir das atrocidades e também dos danos que causaram às pessoas e ao meio ambiente. Querem tentar fugir disso de forma a evitar pagar uma indemnização ou escapar à justiça da comunidade", disse Kentebe Ebiarado, membro da Environmental Rights Action, uma ONG de defesa dos direitos ambientais e humanos.
Outras empresas multinacionais com operações no país africano também estarão a retirar seus investimentos por razões semelhantes, acrescentou Ebiarado.
A Shell foi pioneira no negócio do petróleo e do gás na Nigéria na década de 1930. Desde então, têm ocorrido derrames de petróleo que a empresa atribui a muitos fatores, incluindo roubo, sabotagem e problemas operacionais.
Os derrames de petróleo deram origem a vários processos judiciais de grande visibilidade, nos quais as comunidades nigerianas lutaram contra a Shell para obter uma indemnização.
Em 2021, um tribunal holandês decidiu que a Shell foi a responsável pela poluição a região sul do Delta do Níger e condenou-a a pagar uma indenização de 111 milhões de dólares pelos derrames de petróleo ocorridos em 1970.
Um legado de problemas de poluição
O Delta do Níger enfrenta há décadas derrames prejudiciais provocados pelas operações petrolíferas da Shell. Em 2005, um vazamento num oleoduto causou danos consideráveis nas terras agrícolas.
"Mesmo que plantemos, o petróleo que está lá dentro vai certamente matar as nossas culturas", disse à DW, na altura, Ernest Oginaba, um agricultor do Delta do Níger. "Por isso, sentimo-nos muito mal. Todos estes sítios estão danificados, ninguém os pode voltar a usar", desabafou.
Bemene Tanem, um residente de Ogoniland, no oeste do Delta do Níger, disse à DW que o plano de saída da Shell era irrelevante para a comunidade. "Investindo, ou não, vendendo ativos, ou não - isso não me diz respeito. A questão é que a Shell tem de responder ao povo do Delta do Níger", disse Tanem.
"A Shell tem a responsabilidade de recuperar as nossas terras agrícolas que foram danificadas durante mais de 56 anos. A Shell danificou o nosso ambiente e estamos a viver na pobreza, no meio de tanta abundância", desabafou.
O advogado ambientalista Chima Williams, residente no estado nigeriano de Edo, disse à DW que o desinvestimento da Shell estava dentro dos seus direitos como empresa a operar na Nigéria, mas questiona o facto de a empresa não ter consultado as comunidades afetadas pela poluição.
"Neste caso, não estão a desinvestir em todo o seu portfólio de instalações no país", disse Williams. "Estão a desinvestir em terra e a continuar os danos em alto mar, onde acreditam ou pensam que os nigerianos não têm capacidade para monitorizar as suas atividades e levá-los a tribunal", disse.
Governo nigeriano
No ano passado, um relatório da Comissão do Petróleo e do Ambiente do Estado de Bayelsa, na Nigéria, condenou a Shell e a Eni a pagar pelo menos 12 mil milhões de dólares pela limpeza dos derrames de petróleo no Estado de Bayelsa.
De acordo com a Shell, a Renaissance deverá assumir a responsabilidade de lidar com questões relacionadas com derrames de petróleo, roubo e sabotagem.
Mas o advogado ambientalista Chima Williams, que tem tido um papel fundamental na instauração de processos judiciais contra a Shell nos tribunais de Londres, em nome das comunidades do Delta do Níger, não está convencido de que os novos proprietários irão responder às preocupações do público.
Segundo o advogado, os nigerianos devem pressionar o governo a rejeitar o acordo com a Shell, tal como fizeram no caso da multinacional americana ExxonMobil Corporation, que planeia vender quatro campos petrolíferos no Delta do Níger.
"O desinvestimento da ExxonMobil não pôde acontecer porque [os ativistas] levaram aos meios de comunicação social, aos grupos da sociedade civil [e] às comunidades a verdadeira razão pela qual estes desinvestimentos estão a acontecer", disse Williams à DW.
Bemene Tanem, residente na região de Ogoniland, concorda. "Com os milhões de dólares que a Shell está a ganhar diariamente no Delta do Níger, não há nada para as comunidades", critica.
Por sua vez, Kentebe Ebiarado, membro da organização não-governamental (ONG) Environmental Rights Action, acredita que o único acordo razoável para a Shell é a compensação.
"Isto é uma chamada de atenção para o governo nigeriano e também para a Assembleia Nacional, para que analisem rapidamente as políticas que precisam de ser postas em prática quando as empresas retiram seus investimentos", disse.