Portugal: Imigrantes são-tomenses temem despejo
20 de dezembro de 2024A crise da habitação em Portugal afeta todos: os próprios portugueses e as comunidades imigrantes.
A recente ordem de despejo por 48 horas emitida pela Câmara Municipal de Loures para cerca de 100 pessoas, na sua maioria são-tomenses, que vivem em casas precárias numa propriedade privada em Santa Iria da Azóia, continua na boca da imprensa, e a ser acompanhada pela segurança social e por associações de defesa dos direitos humanos.
Despejados de local abandonado
Uma das vítimas da operação camarária, anunciada no dia 5 deste mês (dezembro) através de um comunicado, é Lor Neves, conhecido por "Kaysha", a viver em Portugal há cerca de quatro anos como serralheiro.
"Estou cá já há dois anos e tal a viver aqui. Era uma casa abandonada. Até há vídeos a mostrar muito lixo, era só caniço. Nós ocupámos, limpámos, fizemos obras, fizemos saneamento (exigido pelas autoridades)", disse, explicando que estava a "viver bem".
No entanto, o inesperado aconteceu: aviso de despejo para cumprir em 24 horas.
"Chegou a polícia da Câmara no dia 5. Apareceram aqui e no dia 9, vieram colocar um papel com ordem de despejo para sairmos no dia 10."
Crianças sem teto
A viver com a mulher, mãe de um bebé de dois meses, Neves diz que as pessoas recorreram àquele espaço numa quinta, porque não conseguem comprar nem alugar uma casa ao preço da habitação em Portugal.
Confirma à DW que, no grupo, havia algumas mães que acabaram por ficar ao relento com crianças, perto de um viaduto no local, por recearem o despejo camarário.
"Sim, há algumas pessoas que estavam a dormir lá, depois nós decidimos voltar para casa até haver uma solução. A CML não veio falar connosco, mas fomos à Assembleia da Câmara, fomos lá falar e a vice-presidente disse que está à espera e não tem ainda nenhuma resposta", afirmou.
De acordo com os moradores, a ordem foi suspensa por algumas semanas, para depois do Natal e fim do ano, até que seja encontrada uma solução, discutida numa reunião da autarquia esta quinta-feira (19.12), com a presença dos visados.
A DW apurou que a Câmara de Loures propõe decidir sobre o caso a partir de 7 de janeiro, porque não aceita pessoas a viver em habitações precárias no concelho.
Diplomacia pede acompanha situação
A Embaixada de São Tomé e Príncipe em Portugal está a acompanhar a situação, bem como o recente caso de um grupo de alunos são-tomenses da Escola Profissional e Artística da Marinha Grande (EPAMG) expulsos de hotel onde viviam e obrigados a pernoitar na rua.
Ouvido pela DW, o embaixador são-tomense, Esterline Gonçalves Género, dá conta de contactos com as entidades portuguesas para mediar o problema.
"O problema da habitação é um problema não apenas dos são-tomenses em Portugal, mas senão também dos próprios concidadãos portugueses. Por isso, estive no bairro e falei com os concidadãos. Se, por um lado, a habitação é o que é em Portugal, por outro, não podemos validar de certa forma que se apropriem de propriedades alheias", disse.
O embaixador são-tomense adiantou que está em "diálogo com as autoridades para que esta fase de despejo seja acautelada para que as pessoas passem o Natal em família."
"Imigração consciente"
Na sequência destes e de outros episódios, que colocam os cidadãos em situação de sem-abrigo, o novo embaixador apela ao humanismo das instituições portuguesas, mas avisa os são-tomenses que queiram emigrar.
"Há que respeitar as leis do país hóspede e cada um conscientemente tem de saber porque é que está a emigrar. O Estado são-tomense quer que os seus filhos emigrem, mas como uma certa responsabilidade. Nós falamos de imigração consciente", apelou.
Num almoço recente com pessoas em situação de sem-abrigo, o Presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, reconheceu que, apesar dos esforços, os governos têm falhado na estratégia para resolver o problema da habitação.
"Vamos ver o que é que o Governo vai apresentar como solução. Se é atirar isso para as câmaras e que dinheiro dá para a parte da habitação, do PRR (Plano de Recuperação e Resiliência] sobretudo", comentou.