Ruanda aprova lei que dá mais poderes ao Presidente
9 de julho de 2020A nova lei foi aprovada com alguma facilidade, dado que o partido do Presidente Paul Kagame, a Frente Patriótica Ruandesa, conta com maioria parlamentar e muitos deputados da oposição votam ao lado do partido no poder.
Em parte, a lei define que uma ordem presidencial pode determinar os pré-requisitos para o estabelecimento de empresas estatais e regras adicionais da sua gestão. Mas alguns consideram tratar-se de uma tentativa de enfraquecer o Parlamento e retirar a sua independência que cria controlos e equilíbrios para o Executivo.
Nos últimos 26 anos, o Presidente rPaul Kagame tem sido aclamado por dar a volta ao seu país economicamente e adoptar uma política de tolerância zero em relação à corrupção. Mas os críticos dizem que a nova lei não define o que aconteceria se o próprio Presidente estiver envolvido em corrupção, como explica o veterano jornalista ruandês Gonza Muganwa.
"Embora o argumento de que se trata de criar mais eficiência seja compreensível, especialmente no que se refere a instituições paraestatais, colocando-as sob supervisão presidencial. No entanto, pressupõe que em qualquer altura o Presidente será eficiente e também não corrupto. Não prevê uma situação em que no futuro possa haver um Presidente que vise a captura do Estado, porque isto pode ser utilizado para desviar recursos", analisa.
Lei anticonstitucional?
Frank Habineza, deputado da oposição pelo Partido Verde Democrático do Ruanda, votou contra a nova lei. Acredita que a Constituição está a ser minada e dá ao Executivo a oportunidade de fazer o que deseja sem consequências.
"Penso que numa democracia os três ramos do Governo farão o que a Constituição lhes diz para fazerem. O Parlamento tem o dever de equilibrar, mas também de fazer leis para a população. Estando alguns dos deveres do Parlamento sob o poder executivo, isto torna-se uma questão constitucional, que um bom advogado poderia levar ao Tribunal Constitucional para contestar2, aponta Habineza.
Os deputados do partido no poder dizem que a lei destina-se a eliminar a burocracia desnecessária quando se trata de criar e desmantelar instituições públicas.
"A Constituição de 2015 é muito clara", lembra o advogado constitucionalista ruandês Louis Gitinywa. "Estabeleceu uma hierarquia entre os três poderes do Governo. O poder dado ao Parlamento é de equilibrar o poder do Executivo e legislar. Se acham irracional, devem fazer uma emenda constitucional porque a Constituição é a lei suprema do país", reclama.
Parlamento enfraquecido
O deputado Frank Habineza também discorda. "Penso que as razões que foram dadas pelo Executivo não foram convincentes e apropriadas. Disseram que queriam que este processo fosse feito pelo Executivo - porque o período que o parlamento leva para adoptar leis demora muito tempo e queriam torná-lo mais rápido. Por isso, olhando para trás, acho que isso não é correto porque se trata de uma questão de planeamento adequado", observa.
Charles Rukundo, um residente de Kigali, acredita que o Parlamento do Ruanda tem sido sempre fraco em comparação com o Executivo. À medida que continua a perder mais poder, torna-se um perigo para a democracia. "O Parlamento continua a perder mais poder, porque sempre foi um Parlamento que agiu como um pau mandado. Mas ao ceder até os pequenos poderes que lhe restavam ao Presidente, significa que está abaixo do Presidente que o controla e utiliza para o que quier", acusa.
A Câmara dos Deputados do Ruanda tem chamado a atenção internacional, já que 64% de todos os deputados são mulheres, o que a torna uma das mais altas representações de mulheres no poder no continente.