Ruanda: 20 anos de liderança do "ditador benevolente"
17 de abril de 2020Não é por acaso que o primeiro smartphone "fabricado em África" vem do Ruanda: o Mara Phone é fabricado num "cluster" industrial nos arredores de Kigali, a poucos passos de um escritório de representação da Volkswagen. A multinacional alemã é um dos muitos investidores no pequeno país da África Oriental com cerca de 12 milhões de habitantes, montando no Ruanda carros para o mercado africano.
O desenvolvimento económico do Ruanda desde o trauma do genocídio com 800.000 mortos é considerado uma história de sucesso - e está ligado a Paul Kagame. Muitos ruandeses elogiam o Presidente pelo progresso que trouxe ao país nos seus 20 anos de mandato. Quem visitar o Ruanda, mais cedo ou mais tarde ouvirá o termo "ditador benevolente", classificando Kagame como um homem que busca objetivos arrojados para o desenvolvimento do país, mas que, ao mesmo tempo, não permite opiniões diferentes das dele.
Poderoso desde 1994
"Paul Kagame é um ditador que governa o Ruanda com mão firme - e não apenas desde 2000, mas na verdade desde 1994", diz o dissidente David Himbara. Após o genocídio e a vitória de Kagame na guerra civil em 1994, Pasteur Bizimungu foi colocado no posto de Presidente do Ruanda, tendo o próprio Kagame ficado com os cargos de vice-presidente e ministro da Defesa. "De facto, porém, ele já na altura tinha o poder ilimitado no Ruanda", afirma Himbara em entrevista à DW.
Himbara não é um mero observador distante, mas sim um homem que chegou a ocupar o cargo de "secretário particular" do Presidente durante seis anos. Quando Paul Kagame chegou ao topo em abril de 2000, ele nomeou Himbara para a sua equipa de consultores. Anos depois Himbara distanciou-se de Kagame e fugiu para o Canadá, onde cresceu.
"Agressivo, descontrolado, violento"
Kagame e as suas milícias tutsis, da "Frente Patriótica do Ruanda" (RPF), chegaram do vizinho Uganda como libertadores e conquistadores, enquanto o Ruanda se afundava no terror do genocídio praticado pelos hutus contra os tutsis. O seu passado militar ainda hoje é visível, diz David Himbara: "Kagame foi socializado na guerra. Ele é uma pessoa muito agressiva, descontrolada e violenta".
Várias organizações de defesa dos direitos humanos também fizeram sérias alegações: "Desde que Paul Kagame chegou ao poder, instalou um regime de terror: quem duvida da leitura oficial é perseguido", diz, por exemplo, a Human Rights Watch (HRW), que apresenta uma longa lista de assassinatos, casos de pessoas desaparecidas e prisões por motivos políticos.
O próprio Kagame chegou a comentar descaradamente as acusações, como as referentes ao caso do ex-chefe do serviço secreto e dissidente Patrick Karageya, que fora estrangulado num quarto de hotel na África do Sul, da seguinte forma: "O Estado ruandês não matou essa pessoa. Mas eu até gostaria que o Ruanda tivesse feito isso".
Um modelo para toda a África?
Jean-Paul Kimonyo, por outro lado, descreve Paul Kagame como uma "figura que reluz para o Ruanda, para a África e para o mundo inteiro". Kimonyo é atualemente um dos principais assessores do presidente do Ruanda e autor do livro "Transformando o Ruanda: Desafios no Caminho da Reconstrução".O Presidente Kagame é uma pessoa que sempre conseguiu reinventar-se. "Primeiro foi um grande militar, depois tornou-se um grande homem de Estado e finalmente ganhou fama como líder internacional".
De facto, Kagame é conhecido além das fronteiras do pequeno Ruanda pela suas políticas rigorosas e eficazes. Nos países ocidentais, está associado principalmente a três projetos políticos: igualdade das mulheres, promoção de novas tecnologias e medidas de proteção ambiental. A sua política económica também é elogiada no Ocidente: no relatório "Doing Business" de 2019 do Banco Mundial, que qualifica a abertura económica de 190 países do mundo, o Ruanda ficou em 29º lugar, sendo o segundo melhor país africano depois das Maurícias.
Progresso ou propaganda?
"O Ruanda é um dos países da África com a melhor e mais barata infraestrutura de Internet", afirma Kimonyo em entrevista à DW. Os cidadãos podem aceder a muitos serviços públicos através da internet. Kimonyo acredita que Kagame também conseguiu grandes progressos em termos de proteção ambiental.
Para David Himbara, estes são "hinos de louvor" inaceitáveis: "Propaganda, nada mais. Kagame proibiu os sacos plásticos, sim, mas esqueceu-se de montar um sistema de esgotos na cidade de Kigali". Um sistema de esgoto central na capital está atualmente em construção; o Governo planeia ligar toda a cidade até 2024.
É igualmente absurdo que Kagame finja ser feminista, afirma Himbara. Ele orgulha-se do facto de que 60% dos membros do Parlamento nacional serem mulheres - "no entanto, nenhuma delas foi eleita democraticamente". Pelo contrário, os seus maiores oponentes políticos são mulheres.
Poder até à morte?
Do ponto de vista jurídico, não há nada suscetível de atrapalhar a permanência no poder de Paul Kagame por muitos e longos anos. Sabiamente, Kagame alterou a Constituição em 2015 para poder cumprir mais dois mandatos até 2034. O povo aprovou a reforma em referendo, com uma esmagadora maioria de 98%. O dissidente David Himbara mostra-se convencido de que Kagame queira permanecer no poder "até à morte".
"Aqui no Ruanda, uma possível extensão do mandato do presidente não é um assunto que nos preocupe atualmente", enfatiza o conselheiro do Presidente Jean-Paul Kimonyo. O mandato atual de Kagame só termina daqui a quatro anos, ou seja, em 2024. "Queremos mais prosperidade e precisamos de uma liderança forte para isso. E os ruandeses estão atualmente muito satisfeitos com a sua liderança", diz.