"Não irão intimidar-me", diz candidata após ataques racistas
23 de março de 2021Em Portugal, a deputada do Bloco de Esquerda (BE), Beatriz Gomes Dias, é a primeira mulher negra, afrodescendente, escolhida pelo seu partido como cabeça de lista à Câmara Municipal de Lisboa. Gomes Dias confirma ser vítima de ataques racistas nas redes sociais depois do anúncio da sua escolha para cabeça de lista para as autárquicas deste ano, que não têm data marcada.
São comentários que procuram intimidar e deslegitimar a sua candidatura a uma das câmaras municipais mais importantes de Portugal.
"Devemos todos repudiar veementemente essa conduta e [tais ameaças] não irão conseguir intimidar-me e nem diminuir o meu empenho, o meu compromisso com a transformação da política e com a transformação da cidade", assevera.
Beatriz Gomes Dias é fundadora da Djass - Associação de Afrodescendentes. A deputada considera legítimo o direito de exercício de cidadania por parte de uma portuguesa que se candidata a lugares de destaque na política nacional.
"Uma luta antiga"
Segundo a política, a sua escolha para esta disputa faz parte de "uma luta muito antiga" de africanos e afrodescendentes pelo acesso a direitos plenos e iguais de cidadania em Portugal.
No Parlamento, Gomes Dias tem sido a voz persistente na defesa dos direitos humanos, pela integração plena dos imigrantes e contra o preconceito e a discriminação racial ainda enraizadas na sociedade portuguesa, nomeadamente nas instituições públicas e privadas.
"É um marco ver a deputada Beatriz Gomes Dias a liderar a candidatura à Câmara Municipal de Lisboa", afirma José Pina, da Associação Cavaleiros de São Braz, que no domingo (21.03), participou numa manifestação em Lisboa para assinalar o Dia Mundial de Luta contra o Racismo.
O cidadão português, de origem africana, considera que este é "um ponto de viragem", apesar dos ataques racistas dos quais tem sido vítima a ex-professora de Biologia nascida no Senegal e filha de pais guineenses.
Para Pina, isto mostra que a sociedade "não está preparada para aceitar que uma candidata afrodescendente ocupe o seu lugar". O ativista acredita que o Estado e a sociedade estão em processo de negação em relação "ao racismo institucional, sistémico e pessoal".
"Esta é uma herança colonial entranhada, que é preciso ser desconstruída e desmantelada", acrescenta o dirigente associativo. José Pina confessa que gostaria de ver a deputada Beatriz Gomes a concorrer pela Amadora - município português onde vive a maioria das comunidades africanas e de afrodescendentes.
Resposta à extrema direita?
Para Danilo Moreira, da Rede Unitária Antifascista, é "muito positivo" Beatriz Gomes Dias encabeçar a lista às eleições autárquicas por Lisboa, não só pelo seu envolvimento nas causas antirracistas.
"Há pessoas muito válidas, muito capazes, tal como a Beatriz, que muitas vezes se imiscuem de ocupar cargos de poder e de elaborarem as suas candidaturas quando são pessoas tão ou mais válidas, como outras que já se candidataram", opina.
O ativista do Movimento "Consciência Negra”, que também marcou presença nos protestos contra o racismo, reconhece ser a hora certa para esta candidatura, sobretudo porque se regista o crescimento da extrema direita na Europa.
"Acho que é fundamental que ela e mais pessoas cheguem à frente e façam alguma coisa. Que nos seus programas, elas contemplem aquilo que têm defendido ao longo dos vários anos", espera Danilo Moreira, destacando os desafios relacionados com o direito a uma habitação digna e acessível e a melhoria dos serviços de transportes públicos na cidade.
Ações robustas
No programa do Bloco de Esquerda, a deputada defende, em nome do coletivo, a continuidade do trabalho desenvolvido nos mandatos anteriores pelos vereadores eleitos do partido. Entre outros temas, assume como prioritários o combate à crise social.
"Ou seja, é preciso uma resposta robusta às dificuldades que as famílias, as empresas, os empresários e os donos de pequenos negócios estão a viver neste momento", diz Gomes Dias.
Também entende que "é preciso criar as condições para que as pessoas possam viver em Lisboa. Isto passa por aumentar a disponibilidade de habitação a preços acessíveis para todas as pessoas. E isso implica aumentar o parque público da habitação".
Ao longo dos anos, Lisboa tem perdido centenas de milhares de pessoas e é preciso recuperar estas pessoas para a cidade. Para isso, Gomes defende, entre várias coisas, o combate aos preços especulativos e a implementação de políticas transversais
"Nós temos que ter políticas que melhorem a oferta da habitação, que combatam a crise, que respondam à emergência climática, e estas medidas têm de ser transversais tendo em conta o combate à discriminação e à desigualdade", explica.
Beatriz Gomes é, desde 2019, uma das três deputadas negras que ocupam lugar no hemiciclo da Assembleia da República Portuguesa. Com ela, fazem parte do Parlamento Romualda Fernandes, pelo Partido Socialista, e Joacine Katar Moreira, deputada única que se desvinculou do partido LIVRE.