Mulheres ao poder nos PALOP
7 de março de 2020A percentagem de mulheres nos parlamentos de todo o mundo dobrou nos últimos 25 anos, passando de 11.3% em 1995 para 24,8% em 2020, segundo a União Interparlamentar. A mesma organização refere que em 1995 nenhum país havia atingido a paridade de género e, este ano, quatro países têm representação de 50% de mulheres, com o Ruanda a liderar com mais de 60%.
Moçambique tem o melhor desempenho dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) em matéria de representatividade da mulher no Parlamento, com cerca de 42% de mulheres na Assembleia da República, na atual legislatura, figurando como um dos 20 países melhor colocados no mundo. A tendência do país é crescente desde o primeiro ano de atividade parlamentar, em 1977,quando tinha 12,3% de mulheres.
Angola é o segundo país melhor representado nos PALOP. O pico de maior presença das mulheres na Assembleia Nacional verificou-se em 2009, quando o país alcançou os 38.6%. A sua menor representatividade deu-se em 1980, quando apenas 8,3% de mulheres eram deputadas.
Cabo Verde alcançou o maior nível de representatividade em 2019, correspondente a 25% de mulheres na Assembleia Nacional, um salto significativo atendendo que em 1975 existia cerca de 2% no Parlamento.
A Assembleia Nacional de São Tomé e Príncipe conheceu uma melhoria nas últimas legislaturas, após um período de acentuada instabilidade na percentagem de mulheres. Depois de ter iniciado em 1975 com 18,2%, o Parlamento são-tomense chegou a ter 2% de mulheres em 2007, cenário que foi revolucionado após a aprovação de um dispositivo legal que fixa a quota de 30% nos órgãos de tomada de decisão.
Também a Assembleia Nacional Popular na Guiné Bissau conheceu um período instável de representividade. Em 1989, teve o melhor desempenho, com cerca de 20% de mulheres no Parlamento, o que constituía um progresso assinalável para um país saído de 8,3% de mulheres em 1972. Atualmente, as mulheres estão representadas em 13,7%.
O progresso na representação feminina não é proporcional aos papéis que a mulher tem no parlamento ou ao espaço para falar ou tomar decisões. Entretanto, algumas mulheres quebram esta barreira e assumem posições estratégicas. É o caso das mulheres entrevistadas pela DW África que desafiaram estereótipos do género, as barreiras da idade, entre outros fatores socioculturais, que dificultaram o seu acesso aos lugares cimeiros no parlamento e na vida política dos seus países.
"Sofri um golpe de Estado"
Maria das Neves Ceita Baptista de Sousa, de 62 anos, do Movimento de Libertação de São Tome e Príncipe, Partido Social Democrata (MLSTP/ PSD) iniciou a sua militância política em 1974, quando participou na marcha das mulheres em frente ao edifício do governo colonial, reivindicando a independência de São Tomé e Príncipe. Em 2002, foi a primeira pessoa do sexo feminino a ocupar o cargo de primeira-ministra de um Governo de unidade nacional, num contexto caracterizado por lutas de poder. Em 2003, foi detida durante um golpe de Estado, tendo sofrido um ataque cardíaco. Uma semana depois, recuperou o cargo e permaneceu no Governo até 2004.
Maria das Neves é considerada uma mulher com grande capacidade de diálogo e tolerância, postos à prova em momentos conturbados da democracia do país. "Fui vítima de um golpe de Estado, quando estava na chefia do Governo, mas isto também foi um golpe de Estado orquestrado. Terminou o processo e continuei no Governo. Tive a capacidade de tolerar e dialogar até com os golpistas. É o que me caracteriza e julgo que o país precisa de pacificação", refere Maria das Neves.
Na altura em que chefiava o Governo, o país havia mergulhado numa crise económica severa, quando os níveis de inflação chegaram aos 50%. As suas boas relações com as instituições de Bretton Woods (Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional) e a sua competência técnica a nível de gestão macroeconómica, contribuíram para a implementação de medidas para a recuperação da economia. "Quando assumi a governação, tínhamos ainda uma taxa de inflação ao nível de dois dígitos, mas que já rondava os 20%, 15%, 12% e conseguimos baixar até um dígito, até 9%. A economia começou a crescer. Estávamos a um ritmo de crescimento de 2,5% por ano. Conseguimos chegar até níveis de 5%, porque também começámos a apostar nos investimentos", recorda.
Foi ministra da Economia, Finanças, e Comércio, Indústria e Turismo. Participou em quatro legislaturas como deputada, duas das quais como vice-presidente do Parlamento. Foi presidente da Rede das Mulheres Parlamentares da CPLP e as suas maiores contribuições na área do género foram a aprovação da Lei contra a Violência Doméstica, quando era a única mulher a representar o Parlamento, e a advocacia para o estabelecimento da quota de 30% de participação das mulheres nos órgãos de tomada de decisão - o que tirou o país dos níveis mais baixos da representatividade feminina.
Maria das Neves não ficou por aqui e candidatou-se à Presidência de São Tomé em 2011 e em 2016. Licenciou-se em Economia, especializou-se em Finanças e Crédito, na Universidade de Oriente, em Cuba, e é ainda doutorada no domínio do desenvolvimento sócio-económico pela Universidade de Lisboa.
"Há resistência dos homens à participação das mulheres"
Maria Odete da Costa Semedo, de 60 anos, iniciou a vida política no Partido Africano da Independência da Guiné Bissau e Cabo Verde (PAIGC) logo depois da independência da Guiné Bissau, em 1974, aquando da vigência do Artigo 4 da Constituição que determinava o regime do partido único. Odete resume em poucas palavras o porquê dos desequilíbrios na representatividade da mulher no Parlamento guineense, bem como na vida política de um país mergulhado em conflitos cíclicos: "O espaço está ali. Agora, o preenchimento daquele espaço é que muitas vezes é condicionado por aquilo que chamo de resistência dos homens à participação das mulheres".
"Há défice de liderança [nas mulheres]. Temos de conhecer e saber compreender todos os instrumentos de luta. Saber compreender todos os caminhos e roupagem da resistência da ascensão das mulheres às esferas de decisão", frisa a vice-presidente do PAIGC.
Odete Semedo é licenciada em Línguas e Literaturas Modernas pela Universidade Nova de Lisboa e doutorada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Foi reitora da Universidade Amílcar Cabral, instituição pública do ensino superior na Guiné Bissau e ministra da Educação e Presidente da Comissão Nacional da UNESCO-Bissau. Foi também ministra da Saúde Pública. Orgulha-se de ter parado uma greve na educação e de ter ajudado a gerir o surto de cólera que abalou o país em 2004.
"Eu fui como uma das mediadoras da parte da educação para uma discussão com o sindicato, uma negociação com o sindicato e o sindicato acabou levantando a greve, coisa que é muito difícil eles aceitarem de bom grado. A nível da saúde, o que me marcou foi a luta contra a cólera. Fizemos um apelo enorme a todos os parceiros que nos acudiram com soros, materiais de limpeza e higienização, etc. E vieram pessoas dar apoio naquele grande surto de cólera que nós tivemos", recorda.
"Coloquei o cargo de presidente à disposição"
A participação de mulheres jovens nos parlamentos dos PALOP, bem como no mundo, ainda é pequena. Esta faixa etária cresce no sexo masculino. Janira Hopfer Almada, de 41 anos é, pelo terceiro mandato consecutivo, líder do Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV), desde 2014.
Janira colocou a sua liderança à disposição depois da derrota nas legislativas de 2016, eleição ganha pelo Movimento para a Democracia. Os resultados alcançados estiveram "muito aquém daquilo que nos propusemos a nível do partido", disse em conferência de imprensa, em setembro de 2016.
"Coloquei o cargo à disposição porque entendi que era a atitude moralmente expectável e eticamente defensável", diz, em entrevista à DW África. "Devolvi o poder àqueles que me tinham dado o poder enquanto Presidente do PAICV. Voltei a merecer a confiança dos militantes e, durante três anos, fizemos o melhor que pudemos e que soubemos".
Janira Hopfer Almada diz que o seu percurso de dificuldades não apaga o privilégio e gratidão por trabalhar para Cabo Verde e considera que o seu diferencial está em falar a verdade ao povo. "Eu não minto ao povo. E se eu tiver que mentir para vencer umas eleições, eu não vencerei, porque não mentirei. Tenciono continuar com esta mesma postura, contribuir para credibilizar a política, poder trazer mais jovens para a política com uma atividade que é feita com honestidade, com caráter e muita responsabilidade", garante.
Janira licenciou-se em Direito e tem uma pós-graduação em Direito das Empresas pela Universidade de Coimbra. Em 2008, foi convidada a integrar o Governo de Cabo Verde, suportado pelo PAICV, e de 2010 a 2013 acumulou as pastas da Juventude, Trabalho, Emprego e Desenvolvimento dos Recursos Humanos e Família e Desenvolvimento Social.
"Não é comum ver uma jovem dirigir um grupo parlamentar"
Em Moçambique, Ivone Soares, de 40 anos, entra para a Assembleia da República aos 29 anos e assume a bancada parlamentar da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), de 2015 a 2020, aos 35 anos.
"É daquelas tarefas que pensamos que um dia, se tiver que fazer, será talvez aos 50 e pouco, aos 60. Não é muito comum vermos uma jovem de 35 anos dirigir um grupo parlamentar", considera.
Ivone Soares liderou o partido no Parlamento moçambicano, numa altura em que o país estava a sair de um conflito no centro do país, entre o Governo e os homens armados da RENAMO. O partido conheceu dinâmicas na liderança depois da morte do líder Afonso Dhlakama, em maio de 2018, e a eleição de Ossufo Momade pelos militantes.
"O mundo político é muito masculino, é um mundo muito pesado, não é fácil conseguir espaço e, acima de tudo, fazer valer a sua posição, a sua opinião, a sua voz. Mas, felizmente, encontrei nos meus colegas parlamentares de todas as outras bancadas, foram muito compreensivos porque esse trabalho era feito de forma coordenada", afirma.
Ivone Soares é licenciada em Ciências de Comunicação e mestranda em Administração Pública pela Universidade Politécnica, em Maputo. Em 2014, The Africa Report elege Ivone Soares uma das 50 personalidades jovens emergentes em África, a única personalidade lusófona eleita. Em 2018, Soares foi eleita co-presidente da Campanha para o Estabelecimento do Parlamento das Nações Unidas e, em 2019, Conselheira da Rede Internacional Democracy Without Borders.