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Moçambique: "Desespero" do poder aguça "esquadrão da morte"

9 de dezembro de 2024

Estão em curso ações para eliminar críticos do Governo moçambicano, denunciam os visados. Eles dizem que esta "purga" sinaliza desespero, mas garantem que não vão baixar as armas: "Se for para morrer, tem de ser de pé".

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Elvino Dias e Paulo Guambe, apoiantes do candidato presidencial da oposição Venâncio Mondlane, foram assassinados a 19 de outubro
Advogado Elvino Dias e político Paulo Guambe foram assassinados numa emboscada, em MaputoFoto: ALFREDO ZUNIGA/AFP

As listas de críticos do regime supostamente a serem "visitados" pelos assassinos, sem cara, chegam a ser públicas. Só na última semana, mais de uma dezena pessoas recebeu promessas de "visitas" de gente vista como próxima do poder. Um deles chegou mesmo a ser "brevemente visitado", mas escapou de ser "levado" pelos visitantes.

Wilker Dias, coordenador da Plataforma de Monitoria Eleitoral "Decide", conta que foi envenenado com arsénio quando se preparava para uma viagem para o estrangeiro: "Esse atentado comprova que o trabalho que venho realizando é muito importante para a comunidade moçambicana, e em nenhum momento pode servir de motivo de desistência", afirma Dias em declarações à DW.

O ativista está salvo, mas queixa-se de algumas sequelas. O envenenamento na hora de viagem terá sido a sua salvação, acreditam os colegas.

Wilker Dias, analista político e observador eleitoral moçambicano
Wilker Dias observou as eleições gerais moçambicanas a 9 de outubroFoto: Arcénio Sebastião/DW

À parceira de luta pelos direitos dos cidadãos Quitéria Guirengane chegam informações de igual pretensão de "visita": "Estão a circular mensagens sobre a necessidade de receber 'visitas', juntamente com a minha família. Devem ser, no mínimo, 'visitas' muito especiais", ironiza.

Manuel de Araújo: "A situação tende a piorar"

Os anúncios desses "visitantes" expandem-se por todo o território nacional.

Em Nampula, a província com revoltas de grande destaque, o defensor dos Direitos Humanos Gamito dos Santos também seria um dos "beneficiários" de tal "cortesia".

"Eu, que estou a falar, já sou vítima", revela Gamito dos Santos. "Circula uma mensagem com uma relação nominal cá em Nampula a elencar algumas vozes a serem apagadas nos próximos dias. O meu nome está na primeira posição nessa lista."

Na Zambézia, infiltrados da secreta nas manifestações foram identificados. Políticos da oposição, como o edil de Quelimane, Manuel de Araújo, comentam que as perseguições já são algo normal, afirmando que o contrário a esta altura seria de estranhar.

Ainda assim, o autarca mostra preocupação, "porque a situação tende a piorar".

O preço de lutar pela verdade e liberdade

A eliminação de vozes discordantes tem barbas brancas em Moçambique. O assassinato do jornalista Carlos Cardoso e do constitucionalista Gilles Cistac são apenas alguns exemplos.

Mas os críticos de hoje estão longe de se deixar intimidar pelas balas.

Elvino Dias e Paulo Guambe, apoiantes do candidato presidencial Venâncio Mondlane, foram "apagados" em outubro, em pleno coração da cidade de Maputo, mas nem assim Guirengane se deixa amedrontar: "Reforça a nossa ideia de que a luta pela justiça, verdade e liberdade tem um preço. E este é o preço que muitas das vezes temos de pagar", diz a ativista.

Protestos após o assassinato de Elvino Dias e Paulo Guambe, em Maputo
Moçambicanos continuam a exigir justiça no caso dos assassinatos de Elvino Dias e Paulo GuambeFoto: ALFREDO ZUNIGA/AFP

"Quando iniciámos esta luta estávamos conscientes dos perigos que corríamos. E estamos numa altura em que a força do argumento já não lhes está a acomodar, então preferem o argumento da força", refere.

O Estado foi "capturado por gangsters"

O país vive uma revolução nunca vista, liderada por jovens. Desde 21 de outubro, Moçambique é palco de intensas manifestações contra a fraude eleitoral e a má-governação.

A resposta das autoridades tem sido o baleamento indiscriminado de cidadãos desarmados e inoperância em situações de ilegalidade. Para o ativista Gamito dos Santos, o apontar de baterias para os críticos do poder do dia "é uma prova de que Moçambique está a se tornar num Estado capturado por um grupo de gangsters, que não querem alguém a contrariar as vozes sonantes da política."

"Eles não querem alguém que seja um obstáculo", resume.

Sinal de desespero

O Governo moçambicano parece cada vez mais longe de controlar a revolta popular. As estruturas do poder e os seus símbolos estão a ser derrubados. Por isso a tentativa de silenciar críticos, diz Guirengane: "É um sinal de desespero, sem dúvida."

Ativista moçambicana Quitéria Guirengane
Ameaças a ativistas moçambicanos são "sinal de desespero", afirma Quitéria GuirenganeFoto: privat

"Durante muito tempo tentaram a ideia de que os manifestantes promoviam vandalismo", mas isso revelou-se uma falsidade, acrescenta a ativista.

No país, o lema que parece predominar agora, neste momento de "braço de ferro" com o Governo, é "ou vai, ou racha".

"Se não tivéssemos entrado nesta senda, grande parte do mundo não saberia quantas pessoas são feridas e mortas e quantas pessoas passam por situações deploráveis nestas manifestações. Vamos continuar até as últimas consequências", desafia Wilker Dias.

"Olho para outros ativistas que também correm perigo, mas a palavra de ordem sempre é não vergar, porque essa é a nossa missão. Se não fizermos, ninguém fará por nós", afirma.

"Se for para morrer, tem de ser de pé"

Esse sentimento quase bíblico de "missão" a cumprir na terra não é um exclusivo de Dias. Guirengane também o tem.

"A minha missão e luta é muito superior a necessidade de estar aqui. E os cidadãos moçambicanos estão conscientes de que esta luta não tem dono, esta luta não é orientada. Esta luta é porque as pessoas acreditam, é porque nós aprendemos a integridade e a verdade."

E a verdade não tem prazo, refere a defensora dos Direitos Humanos: "Se for para viver, tem de ser por uma causa. Se for para morrer, tem de ser de pé a defender aquilo em que acreditamos", afirma Quitéria Guirengane.

Num Estado funcional, estes seriam casos de polícia, mas a instituição é desprovida de boa reputação, e os ameaçados querem vê-la longe quando o assunto é a garantia da sua proteção: "Acho que estou mais protegida sem a polícia do que com a polícia", conclui Guirengane. "No máximo o que estamos a equacionar é participar [as ameaças], para deixar registado."

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Nádia Issufo
Nádia Issufo Jornalista da DW África
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