Julgamento nos EUA: "Manuel Chang vai ser absolvido"
18 de julho de 2024O julgamento de Manuel Chang nos EUA deverá terminar com a sua absolvição, antevê Elísio de Sousa. O jurista, que acompanhou o julgamento de Jean Boustani em 2019, no mesmo caso, acredita num desfecho semelhante: inocentamento. Chang, ex-ministro das Finanças de Moçambique, é acusado pela justiça norte-americana de ter recebido subornos no valor de 7 milhões de dólares para enriquecer e enganar investidores estrangeiros. Ainda sobre o fim deste processo, Sousa acredita num regresso de Chang a Moçambique, onde possivelmente deverá responder sobre crimes relacionados.
DW África: Vê semelhanças nos dois julgamentos?
Elísio de Sousa (ES): Percebi que a decisão de absolvição de Jean Boustani foi por ausência de jurisdição por parte dos Estados Unidos de América. O sistema [judicial] norte-americano, por aquilo que é o meu parco conhecimento, é um sistema de common law e isso remete ao sistema jurisprudencial. Em Moçambique, os casos decididos pelos tribunais superiores não vinculam os tribunais inferiores, mas tem um efeito persuasivo. E em relação ao sistema da common law é diferente, o precedente é, de facto, a lei e aquilo que foi decidido no julgamento, sobre o mesmo caso, tem de ser decidido para todos os julgamentos a posterior, a não ser que se encontre uma nova jurisprudência anterior àquela que contraria a jurisprudência posterior.
DW África: Esta ausência de jurisdição pode desencadear o mesmo desfecho neste caso de Manuel Chang?
ES: Eu até poderia me atrever a dizer que vai, não pode, que vai, que deve. Porque a lei americana é clara em relação a isso. A jurisprudência foi num sentido e o caso a seguir tem de ir no mesmo sentido e, portanto, não pode haver distinção de tratamento para casos semelhantes. Eu entendo que a justiça americana pretende, talvez, justificar o tempo em que Manuel Chang ficou preso, em relação à extradição. Então, em termos genéricos eu posso ´garantir´ que, de facto, Manuel Chang vai ser absolvido, por falta de jurisdição. Não necessariamente que vai dizer que ele não cometeu o crime, vai-se dizer que a América não tem jurisdição sobre aqueles crimes. Pelo menos havendo uma sentença transitado em julgado, no solo americano, e nesses casos não há recurso, é uma jurisdição única e não é como em Moçambique que se podia recorrer. A versão da justiça tem de ser isso, conformar com a decisão.
DW África: Está a prever uma extradição de Manuel Chang para a sua terra natal?
E provavelmente Manuel Chang seja julgado novamente em Moçambique e quer me parecer que o pedido de extradição de Manuel Chang para Moçambique ainda não cessou e a vontade de Chang em responder em Moçambique parece-nos que permanece por parte do Ministério Público. Então provavelmente Manuel Chang será reenviado a Moçambique para responder à justiça moçambicana.
DW África: Pesa alguma acusação sobre ele na justiça moçambicana?
ES: Pelo que eu saiba, há um processo autónomo em que figura Manuel Chang e talvez outros arguidos. Não tenho conhecimento profundo, porque normalmente o processo quando está no Ministério Público, ainda permanece em segredo da justiça, mas contra eles não pode haver qualquer prazo de prescrição, uma vez que já se abriu o processo contra as pessoas próprias. Agora, uma das dificuldades que se tem muitas vezes nos processos criminais é que, qualquer pessoa, para ser levada a julgamento, é preciso que seja ouvida como arguida. E se a pessoa não é tida nem achada na justiça ou perante aquilo que é a cooperação judiciária, normalmente, há uma espécie de suspensão em relação a este arguido e pode o processo prosseguir com outros arguidos. Então, eu acredito que Manuel Chang, pelo menos que se vinculou pela imprensa e também atendendo aos informes do Procuradoria Geral da República (PGR) nos últimos anos, é que ainda existe interesse. Agora, sobre os factos preciso que os Estados Unidos lhe estão a acusar, e se eventualmente lá se provasse alguma inocência ou qualquer situação que dê prova abonatória em relação a Manuel Chang, para este caso já não poderá responder em Moçambique, vincado pelo princípio da proibição da dupla condenação em relação ao mesmo aspeto.