Bissau: Jurista diz que convocatória do Supremo é "estranha"
9 de junho de 2020Completou esta terça-feira (09.06) uma semana desde que o Presidente da Guiné-Bissau acusou publicamente o Supremo Tribunal de Justiça de corrupção. Umaro Sissoco Embaló apelidou os juízes do órgão judicial de "bandidos". Oito dias depois, o Supremo ainda não reagiu. Contactado pela DW África, um dos juízes conselheiros da instância máxima da Justiça guineense, que não quis gravar a entrevista, diz que o Supremo ainda não pode reagir, sob pena de ser acusado de fazer política.
Entretanto, a mesma fonte confirmou à DW África que foram convocados oito juízes para uma conferência, a ter lugar na próxima sexta-feira, 12 de junho, para apreciar o recurso do contencioso eleitoral, requerido pelo candidato presidencial, Domingos Simões Pereira, contra a Comissão Nacional Eleitoral (CNE).
Em entrevista à DW África, o jurista Luís Vaz Martins, antigo presidente da Liga Guineense dos Direitos Humanos, considera esta convocação, no mínimo, "estranha".
DW África: Que análise faz deste silêncio sobre as acusações de Umaro Sissoco Embaló e da subsequente convocação da plenária do Supremo Tribunal de Justiça?
Luís Vaz Martins (LVM): Depois dos ataques frontais de Umaro Sissoco Embaló, em que chamou os juízes de corruptos e bandidos e, consequentemente, com essa convocatória para a decisão do processo judicial, o Supremo Tribunal de Justiça [poderá estar a] vergar-se perante a atuação de Umaro Sissoco Embaló, depois dessas ameaças. Mas todos nós sabemos que, depois do assalto ao poder com a cumplicidade dos militares, obviamente, o Supremo Tribunal de Justiça não tem condições de segurança e liberdade para decidir sobre um processo eleitoral em que um dos interessados é agora inquilino do Palácio da República.
DW África: Então, qualquer que seja a decisão tomada pelos juízes, na próxima sexta-feira, poderá pôr em causa a própria credibilidade de Justiça...
LVM: Não obstante condenarmos o ataque frontal de Sissoco Embaló, a nossa Justiça já vinha padecendo de situações muito criticáveis, nas suas decisões. E é nesta base que, para mim, qualquer que seja a decisão, no sentido de confortar a posição de Umaro Sissoco Embaló na Presidência da República, será apenas uma prova em como aquela ameaça à atuação a um órgão de soberania, que é o Tribunal, teve efeito - na medida em que não decidiram antes, e, depois da ameaça, convocam a plenária para efeito de deliberação. Para mim, isso é suspeito.
DW África: E o Presidente do Supremo continua fora do país…
LVM: O mais estranho nisto tudo é que a própria convocatória é assinada por um oficial do cartório. A convocatória para deliberação deveria ser assinada, no mínimo, pelo presidente do Supremo ou, na sua ausência, pelo vice-presidente. Isso não aconteceu. O presidente [do Supremo Tribunal de Justiça] está ausente do país. Estou em querer que estamos aqui perante uma fuga à frente para confortar a posição de Umaro Sissoco Embaló enquanto Presidente da República, escolhido pela CEDEAO.
DW África: Mas, uma semana depois dessas acusações, porque é que o Supremo Tribunal de Justiça não vem a público defender-se?
LVM: Na base da interdependência e separação dos poderes, na minha opinião, o Supremo Tribunal de Justiça tinha a obrigação de contrariar aquelas acusações. Em primeiro plano, defendendo a honra e a dignidade do poder judicial. Se não o fez é porque "quem cala, consente". Ou seja, o Supremo Tribunal sabe que, eventualmente, Umaro Sissoco Embaló deve estar na posse de informações que comprovam as acusações. Eu não aprovo o silêncio do Supremo do Tribunal de Justiça, tanto assim, que, no passado recente, o Supremo Tribunal de Justiça recorreu a notas de imprensa para refutar acusações infundadas por parte dos cidadãos e de políticos.