"Guerra colonial acelerou fim da ditadura portuguesa"
25 de abril de 2014Segundo a historiadora Irene Pimentel, a guerra do Ultramar, entre 1961 e 1974, foi um dos elementos determinantes para o desgaste da ditadura em Portugal. Os capitães responsáveis pela revolução que conduziu ao 25 de abril de 1974 aperceberam-se de que a guerra não seria resolvida pela via militar e que a solução teria de ser política. Mas o regime de Salazar persistia em manter tropas em África, afirma Irene Pimentel.
"Justamente quando Salazar tem aquele acidente e é substituído por Marcelo Caetano, em 1968, pensa-se que pode haver uma transição gradual para a democracia, naquela primeira fase de liberalização 'caetanista'. Só que, imediatamente a seguir, veio um reforço da ditadura porque a questão principal para o Marcelo Caetano também é manter a guerra nas colónias", explica a historiadora, concluindo que "a manutenção da guerra das colónias não podia ser feita se desaparecesse a ditadura. Ou seja: para democratizar, tinha de se descolonizar. Não descolonizando, não se poderia democratizar".
A guerra de África era uma espécie de "oxigénio para o regime", adianta, referindo que ela acabou por "desgastar ainda mais a ditadura" . Em meados dos anos 60, começa-se a ter a noção do cansaço, que viria a contribuir para tal desgaste. "No ano de 1966", aponta a historiadora, "começa a haver a noção de que praticamente todo o dinheiro vai para a guerra colonial".
A importância do papel dos jovens
Irene Pimentel aponta ainda "um processo muito importante", que se junta à fuga da guerra colonial por parte juventude (os refratários e desertores): o movimento de emigração. "Os jovens, e sobretudo homens, vão-se embora do país e, a partir de 1966/67, o movimento estudantil e o movimento laboral divergem claramente da continuação da guerra colonial", acrescenta.
Irene Pimentel assinala ainda que franjas importantes de católicos deixaram de apoiar o regime também por causa da guerra colonial. A historiadora fala num contraste entre a chamada “brigada do reumático” e os jovens capitães que fizeram a revolução.
"Nós aqui não temos um golpe de Estado militar dirigido pelas altas patentes", frisa, explicando que "as altas patentes mantêm-se quase todas ao lado do regime, fazendo o 'beija-mão' e uma prova de obediência junto de Marcelo Caetano". Por outro lado, "há os jovens oficiais, aqueles que estão operacionais e que fazem realmente a guerra, que estão cansados e começam-se a aperceber que, não tendo uma solução militar e só uma solução política, as próprias Forças Armadas ainda iam ser responsabilizadas por uma derrota no terreno de guerra africano", diz a historiadora.
O porquê de uma ditadura tão longa
Todo este relato faz parte do novo livro da historiadora portuguesa com o título “História da Oposição à Ditadura 1926-1974”. Na obra publicada pela editora Figueirinhas, a investigadora do Instituto de História Contemporânea da Universidade de Lisboa procura responder à questão: por que razão a ditadura portuguesa durou muito tempo e porque é que terminou. Segundo a autora, a Igreja e as Forças Armadas ajudaram a manter o regime.
Quando Portugal dá um grande salto e se aproxima do 25 de abril de 1974, de certa forma, a história repete-se. O regime é desmantelado através de um golpe de Estado militar, encabeçado por oficiais intermédios das Forças Armadas, cansados da guerra colonial, contrariamente ao que aconteceu em 1926, com o 28 de maio, quando o Exército, através dos seus generais, desmantelou a I República.
O livro, já nas livrarias, é lançado no final deste mês e, em maio próximo, Irene Pimental estará em Berlim, onde vai falar da história contemporânea portuguesa a diplomatas alemães.