"Receávamos que o Movimento dos Capitães não desse certo"
24 de abril de 2014Portugal celebra este mês os 40 anos do 25 de Abril de 1974, marco da transição do regime ditatorial para a democracia.
A data está a ser assinalada com vários eventos, alguns dos quais contam com a participação de vozes em representação dos que estiveram nos dois lados da barricada durante o teatro de guerra em África, entre 1961 e 1974. Por um lado, o exército colonial português, que defendia os territórios da antiga Metrópole, e, por outro, os movimentos nacionalistas, que lutavam pela independência política.
O ex-Presidente de Moçambique, Joaquim Chissano, reconhece a importância que teve para os referidos movimentos a revolução conduzida pelos capitães do Movimento das Forças Armadas (MFA).
"A luta nas colónias, sobretudo em Moçambique e na Guiné-Bissau, criou este Movimento dos Capitães, que depois veio a culminar com o 25 de Abril. Mas apoiavam-se, precisamente, na luta que nós fazíamos", diz Chissano. "Eu não conhecia os capitães, mas, através dos nossos meios, tínhamos informações do que se passava e receávamos que o Movimento dos Capitães não desse certo, porque o general António de Spínola [primeiro Presidente português após a revolução] poderia ter precipitado as coisas."
Spínola estaria interessado num formato "neo-colonial", refere ainda o antigo chefe de Estado moçambicano. "Mas não foi o caso, o Movimento dos Capitães é que ganhou."
"Fiquei contente por não ser manobra do Spínola"
Chissano, bem como o ex-primeiro ministro de Angola, Lopo do Nascimento, e o ex-ministro da educação de Cabo Verde, Corsino Tolentino, testemunharam, tal como três ex-chefes de Estado portugueses, na conferência de dois dias na Fundação Gulbenkian sobre os acontecimentos que determinaram o 25 de Abril de 1974 e o fim da ditadura em Portugal.
O ex-Presidente moçambicano, um dos fundadores da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), conta que, no dia 25, "estava no Centro de Preparação Político-Militar, quando ouço no rádio 'golpe de Estado em Portugal' – só ouvi essa parte. E eu disse, 'caramba, isto deve ser manobra do Spínola.' Mas depois fiquei contente porque não foi. O Spínola estava ultrapassado nesse caso."
A desejada independência
Sobre o destino de Angola, onde a guerra foi dolorosa, o regime português discutia em segredo se seria concedida a independência ou se à ex-colónia bastaria a autonomia.
O ex-deputado angolano, Lopo do Nascimento, um dos combatentes políticos das fileiras do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), viveu anos de prisão durante a ditadura e o Estado Novo. O antigo primeiro-ministro disse ao auditório na Gulbenkian que naquele 25 de Abril se encontrava em Argel, capital da Argélia.
"O ano de 1974 foi crucial para nós – foi alegria, a notícia de que o Governo da ditadura tinha caído, mas também um receio, porque não havia uma definição clara sobre quais eram os interesses em relação a Angola." Assim sendo, segundo Lopo do Nascimento, "o que foi fundamental, para nos dar uma linha de orientação, foi quando o MFA retomou nas suas mãos esse processo e houve um encontro a 18 de dezembro de 1974 entre o presidente Agostinho Neto e o coronel Melo Antunes."
O 25 de Abril determinou o fim da guerra colonial pelo cansaço que impôs aos portugueses. Para o historiador Fernando Rosas, foi um virar de página na história de Portugal e das antigas colónias.
"O fim da guerra colonial permitiu iniciar as negociações com os movimentos de libertação e inicia o processo de descolonização, que, aliás, é muito rápido – 1974/75, tirando o caso de Timor, que é mais tarde", diz Rosas. "A liberdade em Portugal é fruto da luta conjunta do povo português e dos povos das colónias."