Golpe na Guiné-Bissau entre o sucesso e o fracasso
10 de maio de 2012Na Guiné-Bissau, a situação após o golpe de Estado permanece opaca. Todas as organizações internacionais e regionais envolvidas continuam a exigir o "restabelecimento da ordem constitucional". Trata-se de uma posição partilhada pela Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental, CEDEAO, União Africana, UA, Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, CPLP, e Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas. Mas o tempo vai passando e o regresso dos governantes legítimos parece cada vez mais incerto. A propósito, a DW África conversou com o analista português, Paulo Gorjão.
DW África: Quando as diferentes organizações internacionais como a CPLP, a CEDEAO e a UA exigem o regresso da Guiné-Bissau à ordem constitucional estão todas a falar da mesma coisa?
Paulo Gorjão (PG): Não, pelo contrário. Sobretudo há aqui algum jogo de palavras entre a CEDEAO e a CPLP. Quando as duas organizações pedem o retorno à ordem constitucional estão a pensar em coisas diferentes. A CEDEAO quer um retorno qualquer à vida democrática, à ordem constitucional. Mas a CPLP está a pedir uma coisa diferente, está a exigir o regresso ao “status quo ante”, isto é, a reposição do governo anterior e do Presidente da República interino.
DW África: Na sua opinião, essa é a posição que deve ser defendida: o restabelecimento do governo anterior?
PG: Eu acho que esse deve ser, pelo menos, o ponto de partida nas negociações. Não vamos ter como ponto de partida uma posição em que se cede a quase todas as reivindicações dos militares envolvidos no golpe de Estado. O ideal seria evidentemente o regresso à ordem constitucional anterior ao golpe de Estado, ou seja, à ordem constitucional existente no dia 11 de abril.
DW África: Portanto o processo eleitoral devia forçosamente continuar com a segunda volta das presidenciais?
PG: Na minha opinião sim. O golpe teve um objetivo muito claro, que foi evitar a segunda volta das eleições presidenciais e a eleição de Carlos Gomes Júnior. Se essa foi a razão de ser do golpe de Estado, é nessa matéria que não pode haver qualquer transigência. A comunidade internacional, com o apoio, evidentemente, do governo e do PAIGC, tem que manter uma postura intransigente neste ponto.
DW África: É quase lugar comum todas as organizações e os intervenientes internacionais e regionais exigirem uma “maior coordenação dos esforços” para a crise na Guiné-Bissau. A que se deve esta ausência de coordenação?
PG: Para além da crise interna na Guiné-Bissau, há aqui também uma dimensão regional muito importante nestes acontecimentos. Há um jogo que se joga em diferentes tabuleiros, um jogo político multidimensional, que envolve não só o contexto interno, mas também o contexto regional e até um pouco o contexto internacional. Há um eixo de influência luso-angolano que tem uma visão sobre a Guiné-Bissau, e depois há um outro eixo que alinha pelo mesmo campo, com o Senegal, a Costa do Marfim e a Nigéria.
DW África: A divisão das organizações internacionais e a falta de coordenação serão do interesse dos golpistas?
PG: Pois, os militares jogaram com isso, não é? Inicialmente, a CPLP surge com uma resposta muito forte. O primeiro comunicado da CPLP é terrivelmente duro. E depois aparece a CEDEAO com uma posição que sempre me pareceu o elo fraco nesta conjuntura, propondo negociações que claramente enfraqueceram a posição assumida pela CPLP.
DW África: Numa análise que publicou juntamente com o seu coautor, Pedro Seabra, o Paulo Gorjão pergunta no título: “Pode um golpe de Estado falhado ter sucesso?”. A seu ver, o golpe teve êxito ou falhou?
PG: Se olharmos para o golpe de um ponto de vista estritamente formalista, o golpe falhou, na medida que os militares não ascendem ao poder, nem conseguem a solução por eles desejada. Mas se fizermos uma análise um pouco mais fina chegamos à conclusão que o desfecho ainda está em aberto.
Autor: António Cascais
Edição: Cristina Krippahl/António Rocha