Etiópia: Governo acusa rebeldes de "crimes graves"
19 de novembro de 2020"Ao entrarmos na fase final das operações de imposição da lei contra este grupo [TPLF], gostaríamos de lembrar aos líderes deste grupo que as atrocidades que foram cometidas pelas suas forças e lealistas em locais como Mai Kadra constituem crimes graves, tanto ao abrigo do direito etíope como do direito internacional", lê-se na declaração do Governo etíope, esta quinta-feira (19.11), acusando os rebeldes de cometerem "crimes graves" depois do conflito eclodir este mês na região separatista do Tigray, no norte do país.
O documento faz referência a relatos de assassinatos étnicos na cidade de Mai Kadra, documentados pela organização de defesa dos direitos humanos Amnistia Internacional.
Os sobreviventes do ataque relataram aos investigadores da Amnistia que as milícias afiliadas ao Governo local de Tigray mataram dezenas ou mesmo centenas de civis, alguns dos quais do grupo étnico Amhara.
Não houve nenhuma resposta imediata sobre o assunto por parte dos dirigentes da Frente de Libertação do Povo Tigray (TPLF), que está a liderar a rebelião.
EUA pedem proteção de civis
Por sua vez, Antony Blinken, o conselheiro de política externa do Presidente eleito dos EUA Joe Biden apelou esta quinta-feira a uma maior proteção dos civis.
"[Estou] profundamente preocupado com a crise humanitária na Etiópia, os relatos de violência étnica direcionada e o risco para a paz e segurança regional. A TPLF e as autoridades etíopes deveriam tomar medidas urgentes para pôr fim ao conflito, permitir o acesso humanitário e proteger os civis", escreveu Blinken na rede social Twitter.
A crise de refugiados da região agravou-se à medida que o Sudão relatou que 36 mil pessoas tinham atravessado as suas fronteiras para escapar à violência. Para fazer face ao afluxo crescente, será construído um novo campo em Um Tinetba, no estado de Gedaref, disse o chefe da comissão de refugiados do Sudão.
A ONU alertou para "uma crise humanitária total" enquanto as organizações de ajuda negoceiam com o Governo para obterem acesso total a Tigray.
Quem está a vencer o conflito?
Ambos os lados no conflito na Etiópia reclamaram na quarta-feira (18.11) sucessos militares, criando um quadro confuso de combates, mesmo numa altura em que o Governo promete que o fim do conflito está para breve.
Um apagão nas comunicações em Tigray, onde o primeiro-ministro Abiy Ahmed ordenou operações militares a 4 de novembro, não permite ter uma visão clara das hostilidades que entram agora na sua terceira semana.
"Estamos a inflingir pesadas derrotas em todas as frentes contra as forças que vieram atacar-nos", disse o líder tigreano Debretsion Gebremichael numa declaração, referindo-se às forças federais. "Apelo a todo o povo tigreano a sair em massa para expulsar os invasores", acrescentou.
Mas o chefe do exército, Berhanu Jula, disse que as suas forças estavam "a ganhar em todas as frentes" e que a TPLF se encontrava "num estado de desespero".
"O plano da TPLF de arrastar a Etiópia para a guerra civil e de a dilacerar fracassou. Está atualmente num modo desesperado, pois está cercado", disse.
A polícia federal anunciou ao fim do dia, na quarta-feira, mandados de captura para 76 oficiais do exército, alguns reformados, acusados de conspirar com a TPLF e de "cometer traição".
Fim das hostilidades à vista?
Abiy tem resistido à pressão internacional para cessar as hostilidades, alegando que a mediação só pode acontecer quando a TPLF for desarmada e os seus líderes forem presos.
A mensagem tem sido transmitida aos líderes regionais por Demeke Mekonnen, vice-primeiro-ministro e ministro dos negócios estrangeiros da Etiópia, que esta semana esteve no Uganda, Quénia e Ruanda.
Numa entrevista à DW, na terça-feira (17.11), o Ministro da Defesa Kenea Yadeta disse que o conflito iria terminar "provavelmente em menos de 10 a 15 dias".
Mas os diplomatas dizem que está longe de ser claro que as forças federais podem assegurar uma vitória rápida, especialmente porque os combates se deslocam de terras baixas para terrenos mais montanhosos.
A TPLF tem meios militares consideráveis e uma estimativa de 250 mil soldados, incluindo uma força paramilitar e milícias locais. Os militares da Etiópia estão estimados em 150 mil tropas, um número que não inclui as forças especiais e milícias.
Razões do conflito
Abiy Ahmed, vencedor do Prémio Nobel da Paz no ano passado, anunciou a campanha militar em Tigray a 4 de novembro, alegando que foi em resposta aos ataques da TPLF aos campos militares federais.
Isso escalou dramaticamente a longa disputa com a TPLF, uma organização que dominou a política etíope durante quase três décadas antes da tomada de posse da Abiy em 2018.
As tensões aumentaram depois do Tigray ter realizado as suas próprias eleições em setembro - desafiando uma proibição nacional de eleições por causa do coronavírus - e tentou marcar Abiy como um governante ilegítimo.
O conflito já envolveu os vizinhos da Etiópia. A TPLF disparou foguetes contra a vizinha Eritreia no passado fim-de-semana, aumentando os receios de que o conflito da Etiópia se pudesse alastrar para a região do Corno de África.
Na terça-feira (17.11), o primeiro-ministro Abiy Ahmed avisou que tinha expirado o prazo de três dias dado para as forças rebeldes de Tigray se renderem. A partir daí a ofensiva do Governo etíope intensificou.
As forças federais dizem que já controlam a zona ocidental de Tigray, que assistiu a fortes combates no início do conflito.
As eleições nacionais da Etiópia estão previstas para o próximo ano.