Angola: "A fraude está a ser preparada desde agosto passado"
27 de junho de 2022Membros e organizações da sociedade civil das 18 províncias angolanas vão monitorizar em tempo real as eleições de 24 de agosto no âmbito do "Projeto Jiku".
Em entrevista à DW África, Alexandra Gamito, do movimento cívico angolano Mudei, um dos responsáveis pelo projeto, explica que o objetivo é que qualquer cidadão possa ser observador do ato eleitoral para o qual, alerta, "está já a ser montada a fraude eleitoral".
No fim de semana, o Mudei divulgou uma nova sondagem que dá a vitória à União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) / Frente Patriótica Unida com 48,5% dos votos, contra 29,8% do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA, no poder).
Mas, no entender de Alexandra Gamito, a máquina eleitoral está a ser preparada no país para beneficiar o MPLA. "Basta olhar para as estatísticas e ver que os novos eleitores são cerca de 2%. Acredita que só 800 mil jovens alcançaram os 18 anos?", questiona a ativista.
DW África: Porque é que diz que a fraude eleitoral já está a ser montada para as eleições gerais angolanas?
Alexandra Gamito (AG): Está a ser preparada desde agosto do ano passado. [Houve a] alteração da Lei Orgânica sobre as Eleições Gerais, onde se altera o apuramento. E todo o processo de contratação dos serviços de apoio ao processo eleitoral não está a ser transparente. Nós não estamos a ver processos transparentes na seleção dos prestadores de serviços, estou a falar da Indra e também da empresa do general Kopelipa que vai fazer toda a logística eleitoral.
Portanto, há uma série de mecanismos a serem colocados em prática que demonstram claramente a intencionalidade de manipulação dos resultados das eleições.
DW África: No caso da empresa do general Kopelipa, por exemplo, haverá um conflito de interesses?
AG: Não houve um caderno de encargos, não houve um concurso público, nem ninguém percebeu como foi feito o processo de seleção. Nós só tomámos conta da notícia. E depois também pela observação do caderno de encargos da Indra, logo se percebe que se está a montar um mecanismo paralelo de contagem de votos. O presidente da assembleia é praticamente colocado à margem de todo este processo de transação das atas das mesas da assembleia ao nacional, onde se vai fazer o apuramento.
DW África: E qual poderá ser o papel da observação nesse processo todo?
AG: Se olhar para a Lei de Observação Eleitoral vai notar que os critérios para a candidatura, por exemplo, de um cidadão independente, são muito confusos, exatamente para excluir pessoas deste processo. Mas nós, movimento cívico Mudei, consideramos que todo o cidadão angolano deve ser um observador deste processo. É o cidadão que vai guardar as mesas das assembleias e que vai ter a responsabilidade de nos fazer chegar fotos das atas. Portanto, qualquer cidadão pode ser um observador eleitoral.
DW África: Mas não há o risco dos vossos observadores serem confundidos pela segurança como elementos que querem provocar confusão e isso resvalar em violência?
AG: Os nossos observadores serão os funcionários da CNE (Comissão Nacional Eleitoral) que estão lá só pelo salário, mas que não estão satisfeitos com o sistema. Os nossos observadores são os cabeças de lista de todos os partidos políticos e qualquer pessoa que queira fazer chegar a informação à "Mudei".
DW África: Nesse caso, vocês querem fazer uma contagem paralela…
AG: Nós vamos fazer uma contagem paralela e vamos contar com o cidadão.
DW África: Disse, recentemente, que há uma espécie de "abstenção forçada" no processo eleitoral. O que significa isto?
AG: Basta olhar para as estatísticas e ver que os novos eleitores, portanto, as pessoas que alcançaram os 18 anos nestes quatro anos, são cerca de 2%. Acredita que só 800 mil jovens alcançaram os 18 anos?
Do meu ponto de vista, houve toda uma manobra de dificultar as pessoas a fazerem os novos registos. Isso é intencional porque afastar as pessoas da mesa de votos também é favorável a quem está a conduzir este processo.
DW África: Recentemente, vocês publicaram uma sondagem sobre a tendência de voto no país, que olha também para a questão das zonas rurais e urbanas do país. Os dados mostram que há muita aceitação à ideia de alternância política nas zonas urbanas. Portanto, o MPLA investirá mais nas zonas rurais do que nas urbanas?
AG: Isso tem tudo a ver com sistema de informação. As pessoas na zona rural são as que têm menos acesso a informação alternativa, porque sabemos que a comunicação social também está totalmente tomada pelo MPLA. Portanto, uma pessoa da zona rural é manietada pelos próprios sobas e, por ser um meio fechado, o MPLA ali controla.