Negociações de paz podem transitar para 2017
10 de novembro de 2016Em entrevista exclusiva à DW África, o presidente do maior partido da oposição mostrou satisfação em relação ao trabalho dos mediadores internacionais. Para além da crise política, Afonso Dhlakama falou à DW África também sobre os sucessivos assassinatos dos membros do seu partido, apontando o dedo acusador à FRELIMO.
DW África: Confirma que os mediadores internacionais tentaram ir ao seu encontro para um diálogo e terão recuado face a confrontos ou ataques na região onde se encontra?
Afonso Dhlakama (AD): É verdade, só que a história não foi bem contada. Foi um assunto que tratei com o Presidente da República, o meu irmão Nyusi, a pedido dele. Que alguns mediadores pudessem chegar aqui secretamente para não prejudicar [o processo]. E aceitei que viessem, vieram dois, sem muita publicidade. E para aceitar este encontro disse que os militares teriam de se retirar de algumas posições do Governo no caminho por onde passariam os mediadores e ele prontificou-se [ a fazê-lo]. Disse-me que já tinham saído e na verdade não se tinham retirado. Quando os mediadores já estavam perto [do lugar] do encontro os grupos da FRELIMO começaram a disparar em direção aos que vinham para a reunião e assim o encontro não aconteceu. Voltaram a apanhar o avião de regresso a Maputo. Faltaram a palavra, diria, o Governo e o próprio Presidente que é Comandante em Chefe das Forças Armadas. Ele é que tratava comigo a questão secretamente e viu as forças de segurança passarem por cima dele. Não sei se foi uma manobra, porque não quero acreditar que um comandante tenha abusado das ordens do Nyusi. Já não sei e nem posso acusá-lo de querer matar-me e nem afirmar categoricamente que queriam matar os mediadores europeus porque seria um problema muito grave, teriam a Europa toda contra a FRELIMO.
DW África: Com isso podemos subentender que há duas vozes de comando dentro do Governo na FRELIMO?
AD: Não quero acreditar que as forças armadas estejam a fazer coisas fora da decisão do Nyusi na qualidade de Comandante em Chefe. Eu sou político e general e dirigi a guerra dos 16 anos, cresci na guerra e sei o que é um militar ou um comandante. Ninguém executa uma operação sem que o seu chefe saiba. O Nyusi pode estar a fingir e a ser aconselhado que faça as coisas de uma determinada forma. Portanto, não posso dizer que facções militares estejam a contrariar as ordens do Comandante em Chefe. Eles cumprem ordens, só que as ordens que dão secretamente, em termos de democracia, dão a entender que não estão envolvidos.
DW África: A RENAMO está satisfeita com o rumo das negociações de paz e com o trabalho dos mediadores internacionais?
AD: Há morosidade por parte de nós moçambicanos, em particular do próprio Governo moçambicano. Os mediadores internacionais não mandam, estão a ajudar os moçambicanos a nosso pedido. O que se nota é que desde o mês de agosto, quando iniciaram as negociações, andaram rapidamente. Eles têm feito as propostas de descentralização, mesmo a proposta da RENAMO de governar as seis províncias e a reintegração nos lugares de chefia dos quadros militares da RENAMO nas FADM. Os nossos irmãos do outro lado, da FRELIMO, têm sido muito lentos, por exemplo, ainda não responderam a muita coisa. A RENAMO tem dado resposta prontamente a todas as propostas e sugestões que lhe foram feitas por esses mediadores internacionais. A FRELIMO, por sua vez, até hoje diz que está a aprender, está a apreciar, está a analisar.
DW África: Então, o mais provável é que o processo negocial continue em 2017?
AD: Já não tenho certeza porque estava otimista em agosto e setembro. Não pensava que o conflito chegaria até hoje (09.11), porque as coisas andavam rapidamente. Penso que, se não apertarmos muito, as negociações poderão transitar para 2017 - o que é lamentável para o povo de Moçambique. Para além de precisarmos da própria paz, democracia, direitos humanos, eleições livres e transparentes, agora há uma onda de assassinatos que a FRELIMO adotou como método de atuação. Sequestram os membros da RENAMO nas zonas rurais, matam a sangue frio para além das pessoas serem baleadas. Coisas tipicamente do Nyusi, que nunca vimos nem com Samora Machel, nem com Chissano e nem com Guebuza. E nunca ouvimos dizer que alguém tenha sido preso porque baleou um membro da RENAMO. Há assassinatos diáriamente - duas a três pessoas - no centro e mesmo lá no sul. E há pouco tempo foi assassinado um dos nossos colegas que também fazia parte da equipa de negociações, chamado Jeremias Pondeca.
DW África: A RENAMO está a tomar alguma medida para proteger os seus membros que estão a ser vítimas desses assassiantos seletivos?
AD: É um pouco difícil, porque o país é tão grande. Se se tratasse de um distrito ou de uma localidade onde todos juntos poderíamos circular e fazer as patrulhas para deter os esquadrões da morte, concerteza iríamos fazer. Mas veja com o tamanho territorial de Moçambique, isso não é fácil. Tudo o que está a acontecer tem um nome é terrorismo. Embora estejamos a nos sentir muito mal e nervosos, adotamos uma posição de não recuarmos face à luta. Se os outros fazem isso - aliam o mais inteligente e o mais forte como forma de silenciar ou intimidar - então a nossa estratégia é, quando nos vingamos, sempre exigimos a democracia. Sabemos que no futuro ela irá vingar, a justiça irá responsabilizá-los e a história nunca apodrece. Portanto, essa é a nossa estratégia, caso contrário muitos tinham que abandonar as fileiras da RENAMO com medo de serem mortos, mas ninguém está a abandonar. Pelo contrário, os académicos, os licenciados estão a entrar em massa [para o partido]. Não é apenas a população das zonas rurais.
DW África: Considerando o crescente número de assassinatos, não receia que as famílias das vítimas procurem vingar-se por conta e risco ou que haja até uma espécie de guerra urbana?
AD: Mesmo quanto aos conflitos e roubos de votos, de 1994 até hoje - se não tem havido revoltas contra o regime é porque, de facto, tenho feito um árduo trabalho de contenção porque sou o líder. Sou muito pressionado para que assumamos a estratégia de revolta mesmo a sangue frio contra os [membros] da FRELIMO. Já houve académicos que me ligaram a perguntar porque não faço uma lista [de membros da FRELIMO] e entrego-a aos meus homens para que cortem o pescoço a essas pessoas. E a minha resposta é: sou democrata e não terrorista. Sabemos que é um sacrifíco esta situação difícil que enfretamos, mas o futuro dirá tudo. E isso já teria acontecido. Há muitos elementos da população que dizem: Dhlakama, esta coisa das negociações está a demorar, nós queremos pegar em catanas e machados. Conhecemos os [membros] da FRELIMO, queremos acabar com eles. E eu digo por favor, peço-lhes de joelhos, não façam isso. A história condenará todos os criminosos.