Dez anos do Bolsa Família
28 de dezembro de 2013As ruas da comunidade Asa Branca não são pavimentadas e há nós de cabos elétricos pendurados entre as casas por toda parte. A favela abriga cerca de 1.500 famílias, muitas delas beneficiárias do muito elogiado programa de bem-estar social do Governo brasileiro: o Bolsa Família.
Lidiane Paulo Silva, de 28 anos, tem três filhos de 8 meses, 3 e 9 anos. Ela trabalha no mercado informal como garçonete em um restaurante dos arredores e ganha cerca de 190 euros por mês.
Todos os meses, Lidiane recebe também 60 euros do programa Bolsa Família e diz que o pagamento a ajuda a administrar o alto custo de vida no Rio de Janeiro – em dias atuais, comparável a Nova Iorque ou Londres. "O Bolsa Família me ajuda muito porque às vezes eu me encontro apertada, meu salário não dá e já é uma renda que tenho a mais," diz.
A garçonete conta que o dinheiro ajuda no sustento da família. "Compro gás, compro alguma coisa que esteja faltando em casa. Essa ajuda que o Governo dá para a gente é pouco, mas me ajuda muito. Não tenho do que reclamar não. Dou graças a Deus," completa.
Combate à pobreza e à fome
O Bolsa Família oferece às famílias beneficiadas um pagamento mensal em dinheiro sob a condição de que as crianças sejam vacinadas e frequentem a escola. O programa foi introduzido para combater a pobreza extrema e reduzir a fome e a subnutrição.
Recentemente, o Bolsa Família completou dez anos em funcionamento e é constantemente elogiado por ajudar a reduzir os vastos níveis de desigualdade do Brasil, bem como por ser o motor do impressionante e recente crescimento económico.
O conceito de transferência de renda do Bolsa Família foi criado no início dos anos noventa e universalizado a todo o Brasil, em 2003, por Luiz Inácio Lula da Silva - o popular ex-Presidente do Brasil. Tamanho é o sucesso do programa que a questão de quem foi o ‘inventor’ original é contestada em todo o espectro político.
Os valores pagos aos beneficiados variam entre 10 e 100 euros por mês, dependendo renda familiar, da idade e do número de dependentes. Os pagamentos são sempre entregue às mulheres. Lidiane Paulo Silva diz que isso é muito importante, já que significa que ela não tem que depender de um homem e pode decidir o orçamento familiar.
"Sempre gostei de trabalhar e ter o meu dinheiro, nunca depender de um homem. E o Bolsa Família me ajuda," conta.
O empoderamento das mulheres tem sido citado pela ONU como chave para que as crianças pobres cresçam saudáveis. Lidiane diz ainda que o Bolsa Família a ajuda a lidar com a instabilidade do mercado de trabalho informal.
Renda fixa e planejamento
Rodrigo Zeidan, economista do Instituto Dom Cabral do Rio de Janeiro diz que o aspecto mais importante é oferecer às famílias pobres uma renda estável e assim, a possibilidade de terem um planejamento básico que é "o que posso fazer com o meu dinheiro para não morrer de fome," explica.
Além disso, o dinheiro possibilita comprar "um ventilador, um radio, uma tevê, e coisas do tipo". Tendo uma renda confiável, as famílias tentam ganhar mais dinheiro, "fazendo bicos ou tentando conseguir um emprego temporário". "E, finalmente, se pode sair desse ciclo conseguindo um emprego fixo de tempo integral," conclui Zeidan.
Segundo a Associação Internacional de Seguridade Social (AISS), o principal organismo de segurança social do mundo, o Bolsa Família é o maior programa deste tipo no mundo. Atualmente, beneficia 13,8 milhões de famílias, ou 50 milhões de pessoas no Brasil – o que representa cerca de 26% da população do país.
As estatísticas revelam que o Bolsa Família tirou 36 milhões de brasileiros da pobreza extrema, que o governo brasileiro considera serem aqueles que vivem com menos de 23 euros, por mês.
Sucesso e críticas
O programa tem sido mais bem sucedido no árido Nordeste do Brasil, onde vive mais da metade das famílias beneficiadas.
Muito elogiado pelo Banco Mundial e pelo Departamento para o Desenvolvimento Internacional, outros governos, na Índia e na África, em particular, ponderam adotar modelos semelhantes.
No entanto, o Bolsa Família é apenas a terceira razão para a queda da pobreza no Brasil. As duas principais razões são, em primeiro lugar, os grandes aumentos do salário mínimo e, em segundo lugar, uma política de pensões ligada ao salário mínimo, que atualmente corresponde a pouco mais de 212 euros e deve passar para pouco mais de 226 euros em janeiro de 2014.
Andrea Lopes Costa vive no Rio de Janeiro, tem dois filhos e há sete anos é beneficiária o Bolsa Família. Ela recebe do programa cerca de 30 euros por mês e completa a renda vendendo água e refrigerantes para os motoristas no trânsito da capital carioca. Andrea diz que o Bolsa Família oferece uma ajuda no básico.
"Ainda mais, por exemplo, quando a família está desempregada, aí tem aquele dinheiro todo mês. Não é aquela grande coisa, mas ajuda um pouco," garante.
Mas Andrea sonha com mais oportunidades "para empregos, incentivar o jovem abrindo portas de cursos". Ela explica os limites da ajuda que o programa oferece: "porque as pessoas não vivem só de comida, também tem que comprar roupas, material escolar, e não dá para isso tudo."
Ajuda X trabalho
De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), o Bolsa Família não é capaz de tirar uma família da pobreza a menos que pelo menos um membro da família esteja ligado ao mercado de trabalho.
Como qualquer programa de bem-estar social, atrai críticas por criar uma cultura de dependência, desestimulando a luta por uma vaga no mercado de trabalho. No entanto, um estudo do Banco Mundial concluiu que se trata do contrário. Adultos empregados que recebem o Bolsa Família estariam inclinados a assumir riscos maiores e a trabalhar ainda mais duro, sabendo que têm uma segurança básica. Porém, o Bolsa Família é um programa barato, custa o equivalente a apenas 0,5% do Produto Interno Bruto do Brasil (PIB).
Existem outras críticas no entanto, especialmente em relação à forma como o programa é gerido. Ricardo Ismael, professor de economia na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), diz que o Bolsa Família é fundamental para reduzir a pobreza e manter as crianças na escola, reduzindo, portanto, também o trabalho infantil.
Dependência política
Mas o professor de economia diz que o programa tem também um forte impacto eleitoral e ainda não está criando um processo de autonomia política, "de forma que as famílias entendessem esse dinheiro como um direito, que não fosse visto como algo a que ela tivesse que ser grata". Ele teme os impactos políticos do programa. "É como se elas fossem devedoras ao Governo e tivessem agora que votar sempre com o Governo Lula, o Governo do PT [Partido dos Trabalhadores ]," avalia.
Segundo Ricardo, particularmente em certos enclaves no pobre Nordeste do Brasil, o Bolsa Família é usado como uma ferramenta política para garantir votos para o partido no poder no Brasil - o Partido dos Trabalhadores.
Ele também diz que o programa é prejudicado por investimentos inadequados em educação pública, um problema que ainda precisa ser resolvido. "Você qualificar a escola, que a escola funcione. Isso não está resolvido. É preciso atacar isso," sugere. Para Ricardo Ismael, é preciso que, depois que o jovem saia da escola, ele possa ter emprego para se libertar do programa Bolsa Família. "Porque senão a gente vai ter um ciclo vicioso: ele termina a escola, não tem emprego. Vai casar e ter filhos para poder pegar de novo o Bolsa Família," diz.
O sub-financiamento crônico da educação no Brasil tem sido uma das principais razões para a onda de protestos populares que vem acontecendo desde junho deste ano. No estado do Rio de Janeiro, os professores estiveram recentemente em greve por mais de dois meses, exigindo salários mais altos e melhores planos de carreira.
O fim da miséria?
No entanto, o Bolsa Família foi criado para evitar a fome e a desnutrição. Por essas razões, tem sido um enorme sucesso.
Carlos Alberto Bezerra Costa, presidente da Associação de Moradores de Asa Branca calcula que cerca de 40% dos moradores da comunidade recebem o Bolsa Família. A esposa de Bezerra parou de receber o benefício quando ele conseguiu um novo emprego.
Ele diz que o Bolsa Família tem sido um fator-chave para melhorar a vida das pessoas na favela de Asa Branca. "Foi uma coisa muito importante. Melhorou porque hoje, na nossa comunidade a gente não tem miseráveis. Tem pessoas pobres, mas não miseráveis," conclui.