1. Ir para o conteúdo
  2. Ir para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Salário mínimo nacional - solução para o problema da pobreza em África?

Adrian Kriesch, António Cascais2 de novembro de 2013

40 por cento da população ativa de África sobrevive com menos de um euro por dia. Muitos países africanos introduziram salários mínimos para combater a pobreza de quem trabalha. Mas as leis nem sempre são aplicadas.

https://p.dw.com/p/1A91Q
Foto: Reuters

Em finais de 2012, na região sul-africana do Cabo Ocidental, milhares de trabalhadores agrícolas organizaram manifestações e greves. Os operários exigiam 11 euros de salário mínimo por dia, pelo seu trabalho nas fazendas, pomares e vinhas da região. A determinação dos trabalhadores era enorme e eles não se deixaram intimidar, nem pela intransigência dos fazendeiros, nem pela agressividade das forças de segurança. Os trabalhadores sul-africanos eram e ainda são de opinião que têm a razão do seu lado: muitos deles ganham apenas 5,50 euros ao dia, e isso não chegava para o seu sustento, sobretudo tendo em conta o enorme aumento dos preços dos bens de primeira necessidade nos últimos anos.

África do Sul: sindicatos fortes exigem aumento do salário mínimo

Os protestos dos trabalhadores e a pressão dos sindicatos agrícolas tiveram resultados concretos: o governo sul-africano decidiu aumentar o salário mínimo neste setor para 7,50 euros por dia. O movimento sindical tem bastante tradição na África do Sul, como recorda Patrick Craven, porta-voz da maior central sindical do país, a COSATU: "Com o salário mínimo os trabalhadores consomem mais e assim contribuem para um aumento da procura interna, o que – naturalmente – beneficia a economia de todo o país."

Salário mínimo nacional - solução para o problema da pobreza em África?

"Nos setores que beneficiam de um salário mínimo, estabelecido por lei, conseguimos melhorar consideravelmente a qualidade de vida", salienta ainda o sindicalista Patrick Craven que, ao mesmo tempo, não nega o perigo de surgir um novo fosso entre os que possuem um emprego razoavelmente pago, com recurso a vencimentos negociados em regime de salário mínimo, e os que não têm emprego nenhum. Recorde-se que na África do Sul, mais de metade dos jovens estão desempregados. Alguns observadores alegam que se não houvesse salário mínimo, muitas empresas dariam mais facilmente oportunidades de primeiro emprego aos jovens desempregados.

Um em três países africanos tem salário mínimo nacional

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) recomenda que os governos – sobretudo em África – ponderem muito bem sobre o nível do salário mínimo. Pois este não deveria ser demasiado alto, para não pôr em risco postos de trabalho, sobretudo em setores onde atuam trabalhadores menos experientes e menos qualificados.

Recorde-se que um terço de todos os países africanos introduziu já salários mínimos nacionais. Dois terços dos países africanos dispõem, pelo menos, de salários mínimos em alguns setores económicos. Estes dados constam dum relatório da organização internacional de trabalho, ILO.

O presidente da Zâmbia, Michael Sata, por exemplo, fez campanha com para as eleições de 2011 com o seguinte slogan: "mais dinheiro nos bolsos das pessoas!". Depois da sua eleição as empregadas domésticas no seu país passaram a ganhar 3 vezes mais. E os trabalhadores agrícolas passaram a ganhar quatro vezes mais.

Zanzibar: muitas empresas não respeitam a lei do salário mínimo

Na ilha tanzaniana de Zanzibar, na costa leste-africana, pertencente à Tanzânia, o salário mínimo não ultrapassa o valor equivalente a 65 euros. O governo regional pretende aumentá-lo por lei, mas os empregadores dizem que isso poria em causa a sobrevivência das suas empresas.

Sansibar Insel Tansania Afrika
Zanzibar, paraíso para turistas: os empresários fazem bons negócios, os trabalhadores nem por isso...Foto: DW/A. Kriesch

Em Zanzibar, o turismo é um bom negócio para alguns: na época alta uma noite na Residencial Ndame custa nada menos de 80 euros. Mas a maior parte dos colaboradores da mesma estalagem não ganha mais de 65 euros, por mês, não por dia.

O parlamento regional está a estudar a hipótese de aumentar o salário para mais do dobro. Sina Heidmann, a gerente alemã da Residencial Ndame, é redondamente contra o aumento: "se a medida avançar isso vai custar muitos postos de trabalho na ilha de Zanzibar", refere a alemã.

Sina Heidmann é ainda de opinião que o salário mínimo é uma interferência do estado num assunto que – em princípio – apenas diz respeito à entidade patronal e ao trabalhador. Segundo ela, é importante que o salário mínimo, já que existe, seja acatado por todos os empregadores: "só assim se conseguirá evitar a concorrência desleal. Mas infelizmente as autoridades não controlam suficientemente o respeito das leis."

Restaurantes recorrem à "mão de obra" de familiares e amigos

Ainda na ilha de Zanzibar: o restaurante de Hamed Hassan Aboud é uma das muitas pequenas empresas que, pelo menos parcialmente, operam de forma ilegal. Nenhum dos seis funcionários de Hamed Hassan Aboud aufere o salário mínimo. Hamed Hassan Aboud diz que todos eles são amigos e familiares. E todos eles sabem que o restaurante não dá lucro suficiente para pagar aos funcionários os tais 65 euros, exigidos por lei. Ainda bem que praticamente ninguém controla o cumprimento dessa lei, sublinha o pequeno empresário.

Hamed Hassan Aboud Sansibar Tansania Afrika
Hamed Hassan Aboud, dono de um restaurante na ilha de Zanzibar: os seus funcionários não auferem o salário mínimoFoto: DW/A. Kriesch

É a lei da oferta e da procura

Na ilha de Zanzibar mais de metade dos jovens com escolaridade secundária concluída está desempregada. Os empregos são raros. Logo os salários são baixos. A imposição – por lei – dum salário mínimo é contraproducente, pois é suscetível e aumentar ainda mais o desemprego, referem – na sua maioria – os pequenos empresários na ilha de Zanzibar e noutras paragens africanas.

Por sua vez, Barbara Riedmüller, professora de Ciências Políticas na Universidade Livre de Berlim (Freie Universität Berlin), é de opinião que os salários praticados também têm que ser justos em África, isto é: têm que ser suficientes para alimentar o trabalhador e sua família e ainda para pagar as quotas para uma segurança social básica: "é necessário assegurar que o trabalhador não caia na pobreza quando um dia deixar de trabalhar, por exemplo, por motivos de velhice."

Afrika Farmarbeiter auf einer Tabakplantage Tabakernte
Trabalhadores numa fazenda de tabaco em Centenary, 130 quilómetros a norte de Harare (Zimbabué)Foto: AP

Segundo a professora alemã, é ainda necessário que as autoridades de um estado sejam capazes de controlar o cumprimento das regras: "olhando para a história há que salientar que as conquistas sociais do passado tiveram que ser arrancadas a ferros. Se os trabalhadores não tivessem lutado por melhores salários nada teria acontecido. E depois das conquistas ninguém quis recuar no tempo e voltar aos tempos antigos", diz Barbara Riedmüller. "Todas as conquistas tiveram que ser impostas contra lobbies poderosíssimos. Para isso é necessário haver sindicatos poderosos e bem organizados. Em África isso constitui um problema. A única exceção é a África do Sul, único país onde existem sindicatos mais ou menos bem organizados."