Dívidas ocultas: Destino de Chang ainda é uma incógnita
29 de dezembro de 2020Foi em clima de festas de fim de ano que os moçambicanos foram arrebatados com a notícia da detenção do antigo ministro das Finanças Manuel Chang, na África do Sul. A partir desse dia, 29 de dezembro de 2018, a população de Moçambique passou a assistir a uma novela da vida real que elevou o escrutínio do Ministério Público (MP) no âmbito do caso das dívidas ocultas que lesou o Estado moçambicano em mais de 2 mil milhões de euros.
Quando Manuel Chang foi detido, nasceu a esperança dos moçambicanos relativamente a um julgamento e responsabilização pelos crimes cometidos no caso da dívidas ocultas. O ex-ministro das Finanças de Moçambique era considerado um dos mentores do maior esquema de corrupção em Moçambique, que conduziu o país a uma crise económica e financeira sem precedentes.
Dois anos depois, Manuel Chang permanece detido e a sua versão sobre o crime é ainda desconhecida.
"A demora na decisão tem efeitos para o andamento do processo em duas jurisdições onde há processos judiciais a correr, Moçambique e Estados Unidos. Se Manuel Chang tivesse sido extraditado para os Estados Unidos certamente já teria sido julgado, da mesma forma que Jean Boustani foi julgado porque já estava sob custódia americana", explica o jurista e ativista Borges Nhamire.
"Se tivesse sido extraditado para Moçambique, certamente que não teria sido julgado, porque nem há data de julgamento para os outros [envolvidos] do mesmo processo", acrescenta.
"É importante explicar que Chang está num processo autonómo exatamente porque não foi extraditado para Moçambique. Temos um processo principal com 20 réus, dos quais 19 estão detidos preventivamente, e temos um processo autonómo com 10 réus, sendo um deles Manuel Chang", refere ainda o jurista.
Interferência política?
Enquanto em Moçambique o processo está numa fase letárgica, na África do Sul a decisão sobre para onde deve ser extraditado o cidadão moçambicano tarda em chegar.
A detenção de Chang aconteceu no âmbito de um acordo de extradição entre a África do Sul e os Estados Unidos, mas as relações históricas com o vizinho Moçambique colocam Pretória de mãos atadas.
O especialista em direito internacional Andre Thomashausen desconfia de interferência política no caso e foca-se em questões de base para explicar a demora na decisão de extraditar Chang.
"O que está a atrasar é o pedido de Moçambique feito sem boa fé, feito unicamente para atrasar a extradição para os EUA, que tem prioridade, visto que o pedido foi feito antes do pedido da parte de Moçambique, incompleto e sem o devido fundamento", sublinha.
"Moçambique usou as boas relações com o partido no poder na África do Sul [o Congresso Nacional Africano, ANC], que fez tudo por tudo para ver se Moçambique podia remediar o pedido de extradição e conseguir um acordo com os Estados Unidos", comenta.
Julgamento nos EUA impulsionou ações judiciais
O julgamento do caso das dívidas ocultas nos Estados Unidos foi determinante para as ações em curso na Suíça, Reino Unido e até em Moçambique, onde o MP se viu obrigado a agir. Por isso, o testemunho do ex-ministro continua a ser bastante aguardado.
"Em Londres e em Genebra, o testemunho do senhor Chang poderia ser muito útil e talvez até essencial, porque ele é a pessoa chave que orientou o banco que concedeu o crédito não para o Banco Nacional de Moçambique, mas para uma conta sediada nos Emirados Árabes Unidos, onde as pistas do dinheiro se perderam", afirma Andre Thomashausen.
A extradição de Manuel Chang representaria uma terceira e talvez última fase para os processos do caso das dívidas ocultas.
Chang foi ministro das Finanças durante a governação de Armando Guebuza, entre 2005 e 2015, e avalizou dívidas contraídas a favor da EMATUM, da Proindicus e da MAM, sem o conhecimento do Parlamento.