Moçambique: Povo sofre com impasse do caso da dívida oculta
10 de agosto de 2018Em Moçambique, enquanto Governo e credores continuam as negociações com vista a encontrar uma solução para a reestruturação das chamadas "dívidas ocultas", degrada-se a qualidade de vida da população.
Com o objetivo de chamar a atenção nacional e internacional para as consequências que a falta de financiamento está a ter na vida das pessoas, a organização não-governamental Grupo Moçambicano da Dívida, em parceria com o Comité para o Jubileu da Dívida, sediado em Londres, tem estado a levar a cabo campanhas de sensibilização que visam "abanar consciências" e encontrar "uma solução menos penosa" para a população.
As duas organizações, que uniram forças quando veio a público este escândalo, pretendem declarar "ilegais" estas dívidas. Em entrevista à DW África, Tim Jones, do Comité para o Jubileu da Dívida, diz isso mesmo. "O que queremos é que a dívida seja considerada ilegal porque não foi devidamente contraída. Queremos que as pessoas do Governo responsáveis[por elas] sejam responsabilizadas no tribunal, assim como os bancos em Londres que emprestaram o dinheiro. Eles são os únicos que devem pagar e não o povo moçambicano", afirma.
No entanto, não é o que está a acontecer. Enquanto o Governo moçambicano e os credores não chegam a acordo e encontram uma solução, a dívida continua a aumentar. Segundo Eufríginia dos Reis, da ONG Grupo Moçambicano da Dívida, "só em 2018, a dívida poderá vir a crescer para 33,2 milhões de meticais". Um valor, diz, "que equivale a 11% do total da despesa do Orçamento de Estado" e que "retira uma grande parte dos recursos que deveriam ser canalizados diretamente para os setores considerados chave".
Saúde e educação em risco
Eufríginia dos Reis não tem dúvidas de que "esta questão da dívida já está a custar ao cidadão". E prova disso são os problemas, já facilmente visíveis, em áreas como a saúde e a educação que, em consequência deste escândalo "deixaram de beneficiar do apoio do Orçamento".
Para esta moçambicana, são "necessárias medidas urgentes", uma vez que "já não há medicamentos nos hospitais, nem luvas para fazer partos". "Os médicos, enfermeiros e técnicos estão lá, querem trabalhar, mas não há medicamentos. É uma situação a que assistimos e que é muito penosa para o cidadão", conta a mesma responsável.
"A vítima é o cidadão"
A posição de Filipe Nyusi em relação a este tema é clara. O Presidente moçambicano não quer declarar "ilegais" as dívidas contraídas entre 2013 e 2014 por três empresas públicas e com o aval do Estado. E é aí que está o problema, aponta Eufríginia dos Reis. "É pelo facto do Governo não querer declarar a ilegalidade das dívidas que o país continua refém desta ausência de apoios e financiamento naquilo que são as áreas fundamentais para a vida do cidadão". Para esta responsável, "devia haver mais sensibilidade na parte política e da parte dos parceiros para que se encontrem mecanismos mais justos do ponto de vista humano", porque, acrescenta, "a vida das pessoas não tem preço".
Para já, e ainda sem soluções, o Estado tem estado a "procurar recursos para se financiar". E isso tem sido feito através das "despesas sociais", aponta a mesma responsável. "Vemos os impostos a agravar-se, a coleta de receitas a agravar-se de um e outro lado, e a vítima é o cidadão, o povo que não tem nada".
Uma das soluções apontada pelas organizações é que "as empresas que contraíram as dívidas criem um fundo ao serviço dos setores chave" da sociedade. Eufríginia dos Reis adianta que a ideia tem sido apresentada a "algumas personalidades do Governo e que tem havido alguma aceitação". Acrescenta ainda que, a seu ver, "os países onde a dívida foi contraída também devem ser sensibilizados", de modo a "pressionarem os credores para que estejam recetivos” a algumas destas medidas.
As organizações em causa reclamam ainda um maior envolvimento da sociedade civil neste debate e a publicação do relatório completo da auditoria feita às dívidas ocultas.
Petição
Já no decorrer deste ano, o Comité para o Jubileu da Dívida levou a cabo uma moção que manifestava "preocupação com os empréstimos concedidos por bancos sediados em Londres a empresas moçambicanas sem o consentimento do parlamento". Cerca de 100 deputados britânicos assinaram esta petição. Uma atitude na qual, diz a responsável da ONG moçambicana, os parlamentares moçambicanos deviam pôr os olhos. "Se os parlamentares lá fora estão a fazer isto por nós, porque é que os nossos parlamentares também não podem fazer pelo seu povo? Eles é que são os representantes legítimos deste povo, por isso queremos sensibilizá-los para que também eles possam aderir a esta campanha e apoiar com ações concretas".
Para além das preocupações já citadas, os parlamentares britânicos exigem medidas mais transparentes para garantir que todos os empréstimos concedidos pela lei do Reino Unido a governos, ou com garantias governamentais, sejam divulgados publicamente no momento em que são feitos e cumpram a lei do país em questão.