Aeroporto de Luanda: Desalojados pedem residências dignas
17 de junho de 2022O relógio apontava 12 horas, hora do almoço. Ana José, de 80 anos, alimentava-se de múcua, pequeno fruto do imbondeiro. Não havia outra opção para a refeição.
"Já não estamos a aguentar com esta vida de dormir no chão. É preciso sacrifício para ter comida. É preciso ir buscar folhas para comer. Tiramos estas folhas das lavras alheias. Não é das nossas lavras. Isto é mesmo a comida que uma mulher velha com 80 anos deve comer? No mínimo, ele [João Lourenço] está mesmo a gozar com as pessoas. O colono não nos fazia isso", critica esta idosa.
Na localidade onde foi alojada, Ngolome, não há meios para o autossustento das famílias. Muitos alegam ter perdido o emprego e os seus negócios.
Despejadas das suas habitações, algumas das famílias vivem agora nessa comuna do Bom Jesus, município do Icolo e Bengo. Como recompensa, receberam apenas cinco chapas de zinco para a montagem de cabanas, o que não os impede de estarem ao relento. Em várias dessas cabanas estão famílias de cinco a dez membros, acabando por conviver com ratos e até cobras.
Os antigos moradores dos bairros adjacentes ao novo Aeroporto Internacional de Luanda estão nesta situação desde abril. As demolições, por decisão do Governo angolano, aconteceram sem aviso prévio e tiveram início quatro dias após a visita do Presidente João Lourenço ao local.
Sem comida
Ana José perdeu a lavra e a sua casa. Vive agora no meio do mato com os netos. A "mais velha" diz que o Governo desalojou-os para esconder as "atrocidades que cometeu" com os antigos moradores da zona onde está nascer o novo aeroporto.
"Eles sabem que fizeram mal. Essa é razão de nos esconderem aqui para ninguém dar conta do recado. Aqui os macacos estão a tomar conta de nós. De manhã não há matabicho [pequeno-almoço]", relata. "Tenho um miúdo que sobe ao imbondeiro para poder tirar múcua para chupar. É mesmo este menino que mando para tirar múcua para chupar. É o matabicho. Não temos comida", refere.
Elias, de 17 anos, é um de vários adolescentes que escalam todos dias mais de cinco metros dos imbondeiros para retirar a múcua, fruto muito consumido em Angola.
O jovem diz aguardar alguma ação do Governo angolano para o retorno à vida normal. Os frutos dos imbondeiros estão cada vez mais escassos e a população começa a ficar sem alternativas.
"A minha avó está a sofrer. Está a comer mengueleca [folha de abóbora] com capim. Só falta comer folhas de imbondeiro", lamenta. "[O João Lourenço] meteu-nos aqui para nos destruir. Se nos quer matar, que nos mate só de uma vez. Está a matar-nos gradualmente porquê?", questiona.
Beber é o "analgésico"
Frederico Manuel partilha a cabana com nove filhos e quatro netos, e admite que não consegue ir até à cidade para trabalhar devido à distância. Beber é o "analgésico" que Frederico encontrou para "afogar as mágoas".
"Estou aqui com nove filhos e quatro netos. Vou dormir de baixo de três chapas? Isso é justo? Não trabalho. Virei kunanga [desempregado]. Não trabalho. Estou a sofrer e a dormir à fome. Comecei a ficar bêbedo para não pensar no que me destruíram", admite.
As famílias desalojadas exigem habitação condigna. Francisca Joaquim diz que, nas urbanizações construídas pelo Governo, há residências desocupadas que podem acolher estas famílias. "O que é que João Lourenço faz com o dinheiro, se tem muitos edifícios desabilitados na Vila Pacífica?", questiona.
"Estamos a viver na rua. Isso não são condições para um ser humano. Então, pedimos que nos deem casas, porque não suportamos este sofrimento", alerta.
O Governo não se pronuncia sobre o assunto. Entretanto, esta sexta-feira (17.06) realizou-se o primeiro voo experimental do Boeing 777 da companhia de bandeira nacional TAAG, na pista do novo Aeroporto Internacional de Luanda.