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Circuncisão masculina continua a causar mortes na África do Sul

Marina Estarque / Daniel Pinto Lopes9 de julho de 2013

A 7 de julho, na África do Sul, houve 30 vítimas jovens na sequência de circuncisões mal sucedidas, e 300 rapazes tiveram de ser hospitalizados. Em maio tinham sido registadas 40 mortes pelo mesmo motivo no mesmo país.

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Também no Quénia de pratica a circuncisão masculina.Foto: picture-alliance/dpa

As trinta vítimas, do passado dia 7 de julho, foram registadas na província rural do Cabo Oriental, a região natal do antigo Presidente sul-africano Nelson Mandela, onde as circuncisões masculinas fazem parte dos ritos tradicionais de iniciação à idade adulta. Outros 293 jovens, tiveram de ser submetidos a tratamento hospitalar devido a ferimentos, desidratação, gangrena e feridas infectadas, segundo a agência noticiosa AFP.

Contudo, estes números não são os primeiros registos de mortos de 2013, pela prática tradicional. Em maio, já 40 jovens tinham morrido vítimas do processo da circuncisão e na altura, em declarações à agência de notícias sul-africana Sapa, o porta-voz do departamento provincial de saúde, Ronnie Masilela, adiantava que as hemorragias e a desidratação foram as causas da maioria das mortes. Disse ainda que, possivelmente, quem executou as circuncisões não estava devidamente preparado.

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A prática tem feito muitas vítimas mortais jovens.Foto: picture-alliance/dpa

Estes rituais, de acordo com a tradição, pretendem fazer a passagem dos jovens e adolescentes para a idade adulta e realizam-se nas chamadas escolas de iniciação, a maioria reconhecida por lei. Todos os anos, dezenas de adolescentes morrem na África do Sul nestas escolas de iniciação, pelas quais passam milhares de jovens anualmente. Grupos de rapazes sul-africanos dos grupos étnicos Xhosa, Sotho e Ndebele costumam passar cerca de um mês em matas isoladas ou em áreas de montanha, para estes ritos de iniciação, que também incluem aulas de coragem masculina e disciplina.

Estes rituais incluem circuncisão feita por cirurgiões tradicionais e, por vezes, são utilizados materiais não esterilizados. Para além da circuncisão propriamente dita, aos jovens são ensinadas lições de coragem masculina e de disciplina. As circuncisões mal feitas levam a que o órgão sexual dos rapazes tenha de ser amputado ou, em situações extremas, podem causar a morte.

Debate nacional

Todos os anos, estes casos são uma tragédia na África do Sul, mas este ano o elevado número de jovens que morreu neste rituais, 70 agora, mas 40 na altura, lançou um debate nacional. A polícia abriu investigações para apurar os motivos, e o presidente da África do Sul, Jacob Zuma, um defensor desta prática cultural, pediu rapidez nas investigações, para que os alegados culpados sejam levados à justiça.

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Jacob Zuma pediu rapidez nas investigações policiais para apurar culpados pelas dezenas de mortes.Foto: Reuters

No dia 29 de maio, houve um debate no parlamento sul-africano por causa da morte destes cerca de 40 jovens nestes rituais de circuncisão. A vice-presidente do Congresso Nacional Africano com assento no parlamento sul-africano, Mmamoloko Kubayi, cita o ministro da saúde sul-africano, Aaron Motsoaledi, para explicar que estes ritos de circuncisão masculina foram praticados por pessoas que apenas queriam fazer dinheiro em nome da cultura. "Estas pessoas não operam nas escolas legais. As suas escolas são ilegais, as suas práticas são ilegais e nem sequer são reconhecidas como escolas que deveriam fornecer ritos de iniciação tal como nós os conhecemos."

Mmamoloko Kubayi chega mesmo a dizer de que se tratam de casos de natureza criminal. "Estas pessoas recolhem os jovens e colocam-nos nestas chamadas escolas de iniciação apenas para fazer dinheiro", diz Kubayi. Quando os jovens entram nestas escolas de iniciação, "as respectivas famílias pagam um certo montante para que os jovens possam lá ficar", mas segundo Kubayi "nestas outras escolas, as taxas são muito elevadas". Conta que "estas escolas não são reconhecidas, porque há um sistema que regista todas as escolas de iniciação na África do Sul. Por isso, estas escolas em particular não estavam sequer registadas, nem eram reconhecidas pelo governo".

Como garantir as condições necessárias para a circuncisão?

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Instrumentos usados para a circuncisão masculina.Foto: picture-alliance/dpa

Mmamoloko Kubayi adianta ainda que os chefes das tribos, as escolas e o governo tinham concordado com a existência de "workshops", nos quais médicos e enfermeiras iriam às escolas para ensinar e garantir que existem as condições necessárias para a circuncisão, como, por exemplo, o uso de material esterilizado, para evitar as infecções. "Houve uma transformação no seio da sociedade sul-africana, promovida pelo governo em cooperação com as escolas de iniciação". Por isso, "estas escolas, em que os rapazes morreram e as quais não eram conhecidas, pertenciam a pessoas que apareceram do nada e criaram estas escolas de iniciação". Acrescentou ainda que "alguns dos rapazes foram raptados e, por isso, não foram para lá de livre vontade". E foi aí que a polícia sul-africana "teve de agir e começar a investigar estes casos de homicídio".

Crime para quem não cumpra a lei

No debate parlamentar do dia 29 de maio, Mmamoloko Kubayi disse que as principais conclusões passam por aplicar uma legislação para toda a África do Sul que regule a forma como as escolas de iniciação podem operar. Foi ainda concluído que devem ser abertos processos criminais para aqueles que não cumpram a legislação. Mas, apesar dos incidentes ocorridos, Kubayi afirma que a prática da circuncisão masculina vai continuar. "Recorde-se que a constituição sul africana promove e protege a tradição e os direitos das pessoas que praticam a sua tradição. É parte da cultura da nossa sociedade".

Na África do Sul, a tradição das cerimónias de iniciação e do ritual da circuncisão masculina ainda permanecem bem vivas. O líder histórico sul-africano, Nelson Mandela, fala, inclusive, sobre a respectiva circuncisão no livro de memórias chamado "Um Longo Caminho para a Liberdade".

Prática de circuncisão em Moçambique

Südafrika Nelson Mandela 14.06.2005
O simbolo de África do Sul, Nelson Mandela, já tinha escrito num dos seus livros, sobre a tradicional prática.Foto: picture-alliance/dpa

Da UNICEF de Moçambique, Massimiliano Sunny disse não conhecer casos recentes de morte associados a esta prática. Contudo, afirma que podem ter existido casos de circuncisão feitos de forma não segura, sobretudo no norte do país e nas províncias em que a prática está enraizada na cultura. "Normalmente esses rituais são feitos com muitos meninos circuncisados no mesmo momento e isso naturalmente, não é feito com uma lâmina individual nem com os cuidados higiénicos necessários", e por isso disse que "naturalmente pode criar muito mais problemas graves". Afirma que nos últimos anos o governo "trabalhou bastante com praticantes da medicina tradicional" para se assegurarem que os rituais começam a ser praticados de forma "mais segura".

O ministério da Saúde de Moçambique lançou este ano um novo plano de saúde, o qual pretende expandir o serviço de circuncisão masculina por todo o país. Massimiliano Sunny diz que houve quase um ano de preparação para "circuncisar mais de um milhão e meio de pessoas entre os 10 e os 49 anos", uma iniciativa que seguiu naturalmente "os procedimentos médicos" adequados.

Uma pesquisa qualitativa realizada pela universidade norte-americana John Hopkins adianta que muitos jovens procuram a circuncisão masculina, por pensarem que estão mais protegidos contra o risco de serem infectados pelo vírus da SIDA. Contudo, há ainda outras conclusões. Massimiliano Sunny diz que é urgente que os jovens recorram a este método "porque ele os ajuda a se prevenirem do HIV".

Circuncisão masculina continua a causar mortes na África do Sul

Massimiliano Sunny adianta que está a ser feita uma campanha para frisar a ligação entre a circuncisão masculina e uma série de outros comportamentos essenciais, como, por exemplo, o uso do preservativo, sem os quais não se fica imune ao risco de se contrair o vírus da SIDA. O debate na comunidade científica sobre a redução do risco de se ficar infectado pelo HIV por via da circuncisão, ainda não é consensual. Deste modo, será correcto avançar-se para um plano nacional de saúde baseado ainda numa certa incerteza? Massimiliano disse que tem havido um "consenso entre os especialistas", que adiantam que a circuncisão "reduz o risco a 60% de contrair o HIV " e por consequência, o dissiminar.

Circuncisão "não é imposta"

Centro de Saúde Eduardo Mondlane - Gesundheitszentrum Chimoio
A circuncisão pode prevenir a transmissão "da sida em 60%".Foto: DW/J. Beck

Mas será que os jovens vêm este ritual como algo necessário ou algo que lhes é imposto? Massimiliano Sunny responde com base nos dados recolhidos pela pesquisa qualitativa feita pela universidade norte-americana John Hopkins. "No grupo dos 20 aos 25 anos, são os que estão mais dispostos a serem circuncisados porque associam a prática a maiores cuidados higiénicos", e alguns "por pensarem que podem ter mais mulheres pelo facto de serem circuncisados", portanto conclui dizendo "que não me parece ser algo imposto".

A circuncisão feita em condições médicas normais foi a base de uma lei aprovada no parlamento alemão – o Bundestag – em Dezembro do ano passado de 2012. A nova lei na Alemanha regula a circuncisão de menores por razões religiosas, sejam judeus ou muçulmanos, e define que a prática deve ser feita com a devida supervisão médica. E a lei foi aprovada, após meses de polémica sobre se esta prática implica ou não uma lesão física de carácter irreversível a um menor.

A legislação prevê que a circuncisão pode ser praticada até ao sexto mês de vida do menor, por uma pessoa com a formação necessária para tal. Estabeleceu-se também que a circuncisão deve assegurar que o menor não sinta dor e, em caso de dúvida, o menor deve ser sedado. Caso exista perigo para o bem-estar do menor, a prática deve ser proibida.