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A música rock em Angola e Moçambique nos anos 60 e 70

Sofia Diogo Mateus / Thais Fascina16 de abril de 2014

Durante a ditadura nas antigas cólonias portuguesas, os jovens criaram grupos influenciados pelo movimento rock que se alastrava pelo mundo. Umas mais controversas que outras, as bandas marcaram a cena cultural da época.

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O conjunto Windies em Angola nos anos 70Foto: Joaquim Correia

É uma história pouco contada: nos anos 60 e 70, também existia música rock nas ex-colónias portuguesas, Angola e Moçambique. O lançamento recente do livro "Portugal Eléctrico, Contra-Cultura Rock em Portugal, 1955-1982", menciona alguns dos grupos musicais mais conhecidos em ambos os países.

As diferenças começam logo na realidade em Portugal e nas ex-colónias: em Angola e Moçambique, na sua maioria, os conjuntos de rock não eram parte da "contra-cultura". Muito pelo contrário, diz Carlos Silva, dos Night Stars.

"O nosso grupo tinha uma componente muito inédita. Ou seja, eu nasci em Portugal, portanto era branco, o Mário dos Night Stars nasceu em Goa, portanto tinha origens indianas, e o vocalista do grupo era africano. Depois tínhamos o Joel Cardoso que também era europeu. Tudo isso junto foi muito utilizado pelo regime, em sessões de propraganda."

Nascidos em Maputo, nos anos 60, os Night Stars surgiram apenas da vontade de fazer música. “Éramos estudantes na altura e iniciámos um grupo. Começámos a aprender um bocado a execução dos instrumentos e depois música e por aí fora", conta Carlos Silva, baterista e um dos dois membros fundadores.

O rock e o regime

Os Night Stars são o único caso de bandas “utilizadas” pelo regime que encontrámos. Em geral, as bandas consideram que eram aceites pelas autoridades, ou, no caso da banda Heavy Band, tolerados, mais do que amados, diz Fernando Girão, o vocalista. Girão afirma que as críticas ao regime eram subtis e mais faladas do que cantadas e "refletiam-se de uma forma sociologicamente ligeira".

"Falávamos no disco do Beggar Man - um beggar é um vagabundo - portanto, falávamos em certas figuras da sociedade menos favorecidas", exemplifica. No entanto, continua, "não havia nenhuma coisa que dissesse, que falasse contra o regime ou contra os regimes em si mesmo". "Ao vivo, quem assumia essas atitudes era eu, porque eu era o único, digamos, que falava com o público nos concertos", explica o vocalista dos Heavy Band.

Beatles
Os Beatles, uma das grandes influências das músicas feitas em Angola e Moçambique, nos anos 60Foto: picture-alliance/dpa

A Heavy Band era uma das bandas mais populares de Angola dos anos 70. Fernando Girão era uma figura universalmente reconhecida – e talvez o melhor exemplo de quão estranhamente rock’n’roll podia ser a vida numa ditadura.

“Eu era um bicho raro ali no meio daquelas pessoas – mesmo quando vim para Portugal continuava a ser", conta. "Agora imagine-se em Angola e em África: um sujeito com o cabelo pela cintura, que andava quase sempre sem camisa, descalço, com jeans", descreve Girão, confessando: "eu, pelo menos, vivia uma vida totalmente rock’n’roll. Eu saía de casa, e naquele tempo fumava-se liamba.”

Influências internacionais e subtilezas musicais

O rock’n’roll era também o som da altura e a maioria das bandas copiava-o, influenciada pelos grupos internacionais que se faziam ouvir além fronteiras, explica Beto Kalulu, o baterista e fundador dos Windies, uma das bandas mais conhecidas de Angola.

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“O projecto era com covers, músicas dos Beatles e Bee Gees", conta, acrescentando: "também Credence Clearwater Revival, Grand Funk Railroad, Led Zeppelin, Black Sabbath, Santana e por aí fora, sempre a tocar covers, sempre na onda do rock".

Os Windies passaram por várias fases mas a influência da música que se fazia no mundo era muito visível no seu som. Joaquim Correia, o vocalista fundador da banda, diz que também os Windies eram aceites pelas autoridades locais – mas que existiam subtilezas em relação às bandas locais.

“Os grupos [locais] para poderem editar um disco – e havia vários grupos negros na altura que editavam discos – tinham de fazer músicas com letras que não subvertessem o regime", explica o músico. Por isso, continua, "automaticamente eram quase que obrigados a entrar num esquema de aceitação da situação para poderem, enfim, gravar um disco ou para poderem tocar. Isso aconteceu muito.”

Uma dessas bandas locais mais conhecidas do período eram os Rocks. O vocalista da banda, Eduardo Nascimento, que mais tarde foi também o representante de Portugal no festival Eurovisão da Canção, discorda do vocalista dos Windies, afirmando que, "por incrível que pareça, o que tinha mais sucesso em Angola e que era mais apoiado pelas estruturas, pela chamada política, era precisamente a música de raíz folclórica".

"A música moderna, como a nossa, a música pop, o mundo político não nos ligava pevide", conclui. Os Rocks tocavam maioritariamente covers de temas pop-rock com influências jazz em inglês. Mas, no Festival Eurovisão, Eduardo Nascimento cantou sozinho o tema mais conhecido d’Os Rocks: “O Vento Mudou”. Uma das poucas músicas próprias da banda, o tema tornou-se um clássico musical da língua portuguesa mas foi gravado já na Europa e com outros membros, ao abrigo de um contrato com a reconhecida editora Decca através de uma parceria com a também extinta Valentim de Carvalho.

Großbritannien Musik Band Led Zeppelin Robert Plant und Jimmy Page
A banda britânica Led Zeppelin, uma das inspirações das bandas da épocaFoto: Getty Images

Vocações e dificuldades

Se em Portugal o que unia muitas das bandas rock era um desejo de ir contra o sistema, o que todas as bandas aqui tinham em comum era a vontade de fazer música, diz Joaquim Correia dos Windies, explicando que "a vocação foi natural, não houve assim nenhuma procura". E continua: "nós fazíamos umas brincadeiras na garagem do Jaime [Mendo, membro fundador dos Windies], fazíamos umas gravações e pronto, a coisa foi funcionando. Mas não houve nenhuma preparação especial para as cantigas".

A vontade suplantou também a imensa dificuldade de arranjar instrumentos, particularmente em Angola. No caso de Moçambique, Carlos Silva diz que a localização geográfica ajudava, apesar de ser "um pouco difícil, porque as importações para África, para Moçambique, estavam um pouco restritas para o próprio regime da altura". Por isso, conta, tinham que "importar da África do Sul" ou mesmo ir lá, descolocando-se a Joanesburgo, "comprando onde era mais fácil".

Mas isso claramente não impediu nenhum deles de fazer música. Aliás, ainda hoje Fernando Girão, Beto Kalulu e Carlos Silva trabalham na área.