A “história de grande determinação” de Éder
5 de outubro de 2016Ainda é um momento inesquecível. O decisivo golo do Éder na final do Euro 2016, que deu vitória a Portugal por 1-0 contra a França, transformou o jogador português de origem guineense num caso de sucesso inesperado. "Ele não é muito efusivo nem com as coisas muito boas nem com as coisas más”, disse, em entrevista à DW África a sua mental coach, Susana Torres, que tem vivenciado os momentos de glória que se seguiram à conquista do título de campeão europeu.
A ex-bancária, que, nos últimos anos, acompanha a história de vida do português, a jogar na equipa francesa do Lille, é a responsável pelo livro "Vai Correr Tudo Bem”, publicado recentemente em Lisboa, dias depois da final do campeonato europeu de futebol em França.
A 10 de julho deste ano, no dia da final entre Portugal e França, Susana Torres estava a assistir ao jogo nas bancadas do Stade de France, em Saint-Denis, a norte da cidade de Paris. Foi um dia memorável para a empresária que soltou toda a sua energia positiva e alegria quando Éder marcou o golo da vitória da seleção das quinas, dirigida por Fernando Santos, no Euro 2016.
DW África: Sentiu que teve alguma responsabilidade naquele golo histórico?
Susana Torres (ST): Senti, claro, porque todo o trabalho que fizemos desde há um ano e meio para cá foi com o objetivo de o Éder aumentar a sua performance, ter resultados e obter mais concentração, mais foco dentro do campo. Trabalhámos muito a preparação mental do jogo e os objetivos dele. Quando foi a altura da final ele colocou como objetivo, a determinada altura, marcar o golo [da vitória]. E nós trabalhámos também isto. Mesmo o trabalho que ele desenvolveu em treino, em Marcoussis, com o resto da equipa, foi também com esse objetivo, o de marcar o golo da final. Quando a situação acontece, eu não posso deixar de ficar super feliz. É, ao fim e ao cabo, o resultado de um trabalho muito grande que ele fez. E fez parte desse trabalho comigo.
DW África: Foi um golo surpreendente?
ST: Sim, a verdade é que, até àquele momento, o Éder ainda não tinha jogado. Inicialmente, ele tinha colocado o objetivo de ser o melhor marcador do Europeu, mas, sem jogar, torna-se um pouco impossível. Quatro jogos antes da final ele decidiu: ‘já que não vou conseguir ser o melhor marcador, porque não estou a jogar, vou focar-me em ser o marcador do golo decisivo na final'. Obviamente que ele tem muita vontade, trabalhou para isso, mas há sempre uma questão que é incontrolável - se ele entra ou não em campo. Essa decisão pertence ao treinador. A verdade é que foi necessária essa decisão do Fernando Santos de o colocar em campo para que ele pudesse cumprir o seu objetivo. Ainda assim, ele estava preparado. Tendo a oportunidade, ele sabia bem o que tinha de fazer. Felizmente, foi o que aconteceu.
DW África: Éder diz que é uma pessoa tímida, a glória acaba por incomodá-lo, de certa forma. Acaba por abraçar uma situação que não esperava?
ST: É verdade. Durante todo o trabalho de preparação para o seu futuro e para aquilo que eram os seus objetivos, uma das coisas que fizemos foi isolarmo-nos daquilo que era a opinião pública, a influência externa no seu comportamento e no seu estado de espírito. O Éder começou a viver para os objetivos dele e muito focado nele. Antes estava sempre focado no exterior. Portanto, quando acontece este sucesso todo ele já sabe qual é o processo: voltar a focar-se nele, voltar a fazer o básico e voltar a fazer esse trabalho todo que fizemos quando ele esteve no Braga e, depois, quando foi para o Lille. Agora, nesta nova época, é preciso fazer esse trabalho todo. Só começámos a fazer isso há dois dias, é um facto. A época já começou há algum tempo, mas, quer o Europeu, quer o Lille trouxeram uma alteração de rotina muito grande. Não tivemos muito tempo para trabalhar em conjunto.
DW África: Sendo uma pessoa assumidamente reservada, como é que o Éder tem lidado com este momento de glória, com o sucesso que lhe trouxe o tal golo imprevisível?
ST: Ele não é muito efusivo, nem com as coisas más, nem com as coisas muito boas. De facto, poderia ter usufruído muito mais de todo este sucesso que atingiu e de toda esta glória, mas ele é mesmo um rapaz comedido. É tímido e, portanto, acha graça a tudo isto que lhe está a acontecer, mas não se ilude. Sabe que esta questão da opinião pública é assim: hoje estamos muito bem, mas basta não marcar golos que a opinião já muda outra vez. E, portanto, muita exposição é sempre algo perigoso porque é preciso saber lidar com isso.
DW África: E foi este sucesso que levou a acelerar a publicação do livro sobre o jogador?
ST: Sim, porque nós já estávamos a escrever o livro desde janeiro e houve aqui algo curioso. Durante esse tempo, brincávamos muito, porque dizíamos um para o outro ‘ainda vamos ter de convencer alguém a publicar isto'. (risos) Não seria fácil alguém comprar um livro sobre o Éder. Claro que eu conhecia a história do Éder e já achava que valia muito a pena escrever sobre isso. É uma história altamente inspiradora, de grande determinação, de grande foco, de grande resiliência. Mesmo com todas as dificuldades por que passou, não desistiu do seu sonho, e isto era algo que merecia ser divulgado. Eu achava que o livro fazia todo o sentido. Claro que, para quem não conhece o Éder, um livro sobre ele se calhar não fazia muito sentido. A verdade é que, depois do golo, não foi preciso esforço nenhum, porque as editoras todas quiseram publicar e acabamos por escolher a editora que publicou.
DW África: O Éder quase quis desistir do futebol. Foi ele que procurou a sua ajuda?
ST: Naquela altura, as coisas não lhe estavam a acontecer. Não estava a atingir os resultados que queria. Estava muito focado nas situações do passado, nas lesões que tinha tido e, portanto, a sua atenção ia toda para essas coisas. A verdade é que, quando eu lhe expliquei o que era o coaching e aquilo que podíamos fazer, a mais valia que isto podia representar para a carreira dele, ele ficou mesmo muito interessado. Disse-me ‘ok, vamos fazer este trabalho. Provavelmente, com isso, vou conseguir alcançar os resultados que eu ainda não alcancei'. E foi um bocadinho isto. Foi uma casualidade. Ele não foi à procura, aconteceu. Foi um bom acontecimento porque, a partir dali, a transformação foi gigante. Sim, ele quase queria desistir. Houve uma altura em que ele me disse que ninguém gostava dele e que não estava cá a fazer nada neste mundo.