Índia enfrenta "tempestade" de covid-19
21 de abril de 2021A Índia registrou nesta quarta-feira (21/04), pela primeira vez, mais de duas mil mortes devido à covid-19 em um único dia. De acordo com o ministério da Saúde indiano, em 24 horas, foram contabilizados 2.023 óbitos e mais de 295 mil novos casos, elevando o total de mortes para 182.553 e de infetados para mais de 15,6 milhões. Desde 14 de abril, a Índia registra mais de 200 mil casos da doença todos os dias.
Após meses de estabilidade nos casos, a Índia enfrenta uma severa segunda onda da doença, com sistemas de saúde em colapso, falta de leitos, de medicamentos e de oxigênio. O governo indiano chegou a limitar o uso industrial de oxigênio para redirecioná-lo ao uso médico.
Nesta quarta-feira, pelo menos 22 pacientes morreram em um hospital na cidade de Nashik, no oeste do país, após uma interrupção no fornecimento de oxigênio causada por um vazamento em um tanque.
A interrupção durou cerca de meia hora e as causas ainda não foram esclarecidas. Cerca de 150 pessoas estavam internadas devido à coivd-19 no local e algumas estão sendo transferidas a outros hospitais.
O fornecimento de oxigênio é atualmente uma das maiores preocupações do governo. Na terça-feira, hospitais da capital, Nova Délhi, disseram que tinham oxigênio suficiente para apenas mais oito a 24 horas. Em algumas instituições privadas a situação era ainda pior e o oxigênio era suficiente para apenas de quatro ou cinco horas.
Em um discurso na noite de terça-feira, o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, disse que o país enfrenta uma "tempestade" de coronavírus e que as autoridades estão trabalhando com estados e empresas privadas para fornecer oxigênio com "velocidade e sensibilidade".
Diante da gravidade da situação, algumas pessoas tentaram saquear tanques de oxigênio, levando as autoridades a reforçar a segurança,
"A partir de agora, ordenei proteção policial para todos os navios-tanque", disse Anil Vij, secretário da Saúde do estado de Haryana.
Imagens de televisão, mostram pessoas com cilindros de oxigênio vazios lotando as instalações de reabastecimento, na esperança de conseguir salvar a vida de parentes.
Na cidade de Lucknow, no norte do país, um homem relatou que um hospital pediu a ele que providenciasse o suprimento de oxigênio necessário para seu tio ou o levasse embora, já que não tinha como tratá-lo.
"Estávamos completamente sem suprimentos ontem [terça-feira], mas, no final do dia, recebemos alguns e isso está nos ajudando hoje", disse Charu Sachdeva, funcionário do Instituto e Centro de Pesquisa do Câncer Rajiv Gandhi, em Nova Délhi.
Pessoas em muitas partes do país estão fazendo relatos desesperados no Twitter, pedindo ajuda para levar familiares aos hospitais.
No sábado, o jornalista Vinay Srivastava, de 65 anos, morreu sem conseguir atendimento médico no estado de Uttar Pradesh. Pelo Twitter, ele relatou sua luta por ajuda médica. Na sexta-feira, sua saturação era de 52%, 43 pontos abaixo do considerado "normal". No sábado, este índice era de 31% e, mesmo assim, ele não conseguiu atendimento, apesar de apresentar os sintomas característicos da covid-19. Somente no sábado, pouco antes de morrer, ele conseguiu fazer um teste.
Embora a índia seja um dos países que mais vacinou no mundo, as mais de 127 milhões de doses aplicadas até o momento representam muito pouco para a segunda maior nação do mundo, com 1,3 bilhão de habitantes.
Para acelerar a vacinação e enfrentar os baixos estoques de imunizantes, o país freou as exportações das vacinas Oxford-AstraZeneca produzidas localmente.
Nova Délhi em lockdown
Desde segunda-feira, a capital Nova Délhi vive um rígido lockdown de seis dias. Devido à explosão dos casos de coronavírus, o sistema de saúde da cidade de mais de 21 milhões de habitantes está à beira do colapso.
O ministro-chefe de Délhi, Arvind Kejriwal, disse que seu governo enfrenta uma batalha difícil para fornecer instalações e oxigênio aos doentes.
"Se 25 mil pacientes vierem todos os dias, o sistema vai desmoronar. Há falta de leitos. O oxigênio se tornou uma emergência em Délhi", disse Kejriwal, ao anunciar um bloqueio definido para durar até 26 de abril.
O ministro-chefe pediu às autoridades que garantam o fornecimento ininterrupto de cerca de 700 toneladas métricas de oxigênio por dia para hospitais e centros de tratamento.
Nova variante preocupa
Embora ainda não haja evidências científicas de que a variante indiana, descoberta recentemente, seja mais transmissível, especialistas da Índia acreditam que ela pode, sim, estar relacionada ao grande aumento de casos de covid-19 no país nas últimas semanas. Ela foi batizada de B.1.617 e carrega duas mutações na proteína spike do coronavírus que já foram identificadas em outras variantes pelo mundo. Elas foram associadas, em outras análises, a uma capacidade reduzida de neutralização do coronavírus por anticorpos ou células T.
A proteína spike é a parte que o vírus usa para penetrar nas células humanas. Já os linfócitos T são células com funções imunológicas de respostas antivirais, seja através da produção de citocinas ou eliminando ativamente células infectadas.
Isso significa que pessoas vacinadas ou que já tenham sido contaminadas podem estar menos protegidas contra a variante indiana.
Em entrevista à Rádio Internacional da França (RFI), o médico Surandipta Chandra, que trabalha em uma clínica em Nova Déli, disse que a variante "se espalha como um incêndio em uma floresta". Para ele, um dos pontos preocupantes é que os testes de PCR já não conseguem detectar todos os casos.
"O vírus está se adaptando de forma inteligente, e esta mutação indiana parece escapar das testagens. Muitos doentes recebem resultados negativos nos testes, mas desenvolvem sintomas graves", explicou à RFI.
A grave situação da pandemia no país fez o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, cancelar a viagem que faria à Índia na próxima semana. Por precaução, o Reino Unido vai restringir viagens à Índia a partir de sexta-feira.
O que deu errado
Embora alguns especialistas acreditem que a nova variante esteja pro trás da alta de casos, outros fatores também contribuíram para a disseminação desenfreada da doença. Após meses de estabilidade no verão, com um índice baixíssimo de casos diários, o país permitiu reuniões e festas, relaxando as medidas de distanciamento social. Cinco estados realizaram eleições e até mesmo um jogo de críquete com a presença de mais de 130 mil espectadores foi autorizado.
le (reuters, dpa, lusa, afp, ots)