"É impossível avaliar o que está por vir com coronavírus"
10 de março de 2020Martin Braml trabalha no Instituto de Pesquisa Econômica (Ifo), em Munique, nas áreas de comércio internacional e economia externa. Em entrevista à DW, o especialista falou sobre o impacto do coronavírus Sars-CoV-2, causador da doença covid-19, sobre os preços do petróleo e bolsas de valores pelo mundo.
Na segunda-feira (09/03), o preço do barril de petróleo do tipo Brent caiu 30%, a maior desvalorização diária desde a Guerra do Golfo, em 1991. Em consequência, os preços das ações nas bolsas de valores mundo afora despencaram, inclusive no Brasil. O recuo acentuado veio em meio à difusão do novo coronavírus, à queda da demanda e à disputa entre a Arábia Saudita e a Rússia em torno de cortes na produção petrolífera.
"Na verdade, os problemas econômicos apareceram muito antes do surto do coronavírus", afirma Braml. Ele pondera, no entanto, que "pelo menos para a Alemanha e a Europa não se pode descartar uma recessão".
DW: Em todo o mundo, as Bolsas de Valores registraram perdas nesta segunda-feira. O DAX, o principal índice da Alemanha, registrou queda de 7% no início do pregão. Tudo isso se deve ao coronavírus?
Martin Braml: Não apenas. O coronavírus deu vazão a algumas coisas que estavam acumuladas. Não devemos esquecer que sempre existem correções quando as bolsas operam em alta. Somente quatro semanas atrás, o DAX e outros índices do mercado de ações atingiram recordes. Mas essas correções estão indo agora além do normal.
Nesse contexto, obviamente tanto o coronavírus quanto a grande incerteza desempenham um papel importante. Ninguém sabe o que acontecerá posteriormente, qual região será isolada em seguida, se as cadeias de fornecimento podem ser mantidas, se mais pessoas não podem ir trabalhar porque estão em quarentena. Essa incerteza se reflete nas Bolsas de Valores.
Também se veem grandes perdas no preço do petróleo, que caiu 30%. O pano de fundo disso é uma disputa entre os países da Opep e outros Estados produtores acerca de uma redução no volume de produção. O coronavírus tem alguma importância aqui?
Sim, o coronavírus também exerce influência nesse ponto. Quando as fábricas e muitas coisas na vida pública ficam paradas, a demanda por petróleo diminui. Essa menor demanda levou a perdas no preço do produto mesmo antes da disputa da Opep no fim de semana.
O cartel de países produtores de petróleo geralmente concorda em reduzir os volumes de produção para manter os preços altos. No fim de semana, ficou novamente comprovado que esse cartel é muito instável e que não chega a um consenso – isso explica essa significativa queda de preços.
Outra notícia exerceu pressão sobre os preços: no Japão, a economia encolheu mais do que o esperado, a retração no quarto trimestre girou em torno de 7% na comparação anual. Isso não pode ter a ver com o coronavírus, afinal, são os últimos três meses de 2019.
Na verdade, os problemas econômicos apareceram muito antes do surto do coronavírus. A indústria alemã se encontra em recessão já há seis trimestres e vem encolhendo desde o terceiro trimestre de 2018. Isso está muito ligado à indústria automotiva, mas os fabricantes de máquinas e equipamentos também estão com problemas.
O Sars-CoV-2 deu visibilidade a alguns problemas que já existiam antes, acirrando toda a situação. Da mesma forma, na China: as taxas de crescimento vêm diminuindo há muito tempo, a guerra comercial com os EUA teve um impacto negativo, e muitas empresas chinesas se encontram há muito endividadas. O governo em Pequim está agora disponibilizando liquidez para aliviar as dificuldades, mas o problema fundamental permanece.
Então, existe a ameaça de uma crise econômica mundial?
Pelo menos para a Alemanha e a Europa não se pode descartar a possibilidade de uma recessão. A incerteza é grande. Não sabemos como a progressão da doença vai continuar e que medidas políticas estão sendo tomadas. Pode haver também uma recessão em todo o mundo. Também será decisivo como a situação nos Estados Unidos vai se desenvolver.
O governo alemão também quer apoiar a economia, facilitando a redução da jornada de trabalho e ampliando investimentos públicos em vários bilhões de euros. Como você avalia isso?
É absolutamente correto ampliar o pagamento da jornada reduzida, algo com que a Alemanha teve experiências muito boas durante a crise financeira. Dessa forma, o emprego pode ser mantido mesmo quando a produção está parada e, quando as coisas melhorarem, as empresas podem retornar ao crescimento mais rapidamente.
Também os auxílios de liquidez, como adiamento do pagamento de impostos ou empréstimos-ponte, estão corretos. No caso de investimentos mais altos, no entanto, surge a questão de saber se isso funcionará a tempo. Quando se trata de projetos de construção, há sempre um longo período preparatório. E mesmo durante a construção, são necessárias empresas com know-how e cujos trabalhadores não têm que ficar em casa devido ao coronavírus.
Em Hong Kong, o governo optou por uma forma diferente de ajuda, apostando no chamado "dinheiro de helicóptero": todo cidadão recebe mais de mil euros de presente. A esperança é que as famílias gastem o dinheiro novamente, apoiando assim a economia. Existem abordagens semelhantes em Cingapura e Macau. Isso também seria uma ideia para a Alemanha?
Eu não acho que isso terá grandes efeitos no curto prazo. As pessoas querem consumir, querem ir a shows, sair para comer ou voar de férias. Mas elas não podem, porque os eventos e os voos estão sendo cancelados. Ou seja, dinheiro não é o problema, mas a chance de gastar esse dinheiro.
Em algum momento, vamos olhar em retrospecto e dizer que o coronavírus foi o acelerador dos desenvolvimentos de crises que estavam lá de qualquer forma?
Atualmente, não há clareza sobre a nocividade do vírus. Também pode ser que a normalidade retorne mais rapidamente do que se possa prever agora. Os prognósticos abrangem todo o espectro – de "grande crise econômica mundial" a "não é tão ruim assim". No momento, acho que é absolutamente impossível avaliar realisticamente o que está por vir.
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