Áudio dá munição contra Temer
12 de abril de 2016A poucos dias da votação do impeachment de Dilma Rousseff no plenário da Câmara dos Deputados, o áudio vazado nesta segunda-feira (11/04) em que o vice-presidente Michel Temer discursa como se a destituição da presidente estivesse sacramentada causou perplexidade no governo federal e recebeu críticas até mesmo da oposição.
Para analistas ouvidos pela DW, Temer mostrou mais uma vez um claro distanciamento com Dilma e, caso não tenha sido enviado por acidente, o áudio poderá se tornar um erro estratégico caso a presidente não perca a votação deste domingo. O vazamento da gravação, além disso, pode ter sido uma tentativa de influenciar o voto dos deputados federais indecisos.
Para o professor de política Humberto Dantas, do Insper, a postura de Temer parece condizente com uma atitude de conspiração e de quem está, ao contrário do que ele mesmo diz, construindo planos e seu próprio governo.
"O discurso mostra um vice já preocupado em assumir o poder, bem diferente daquele que nos jornais declara que é hora de união", destaca. "Mesmo que Dilma sofra impeachment, ele não ganhará nada com a gravação."
O cientista político Leonardo Neves, do Ibmec/RJ, diz que Temer não pede explicitamente votos a favor do impeachment, mas indica que já espera isso como certo. "Ele parece estar falando com os que estão em dúvida. Ao se apresentar como presidente, ele está adicionando um elemento no cálculo dos deputados que só vão se decidir na última hora."
Para Paulo Sotero, diretor do Instituto Brasil do Wilson Center, em Washington, as consequências podem ser negativas porque a presidente tem a oportunidade de reforçar a tese de que tudo isso é um grande trama para tirá-la do poder – como o fez nesta terça-feira (12/04), ao acusar Temer de traição, conspiração e golpe.
"Se foi uma estratégia enviar o áudio e Dilma continuar no poder, isso terá sido um erro crasso. Mas não é esse vazamento que vai determinar a votação no domingo", opina.
Na gravação, o peemedebista afirma que decidiu falar após uma "votação significativa" determinar o prosseguimento do processo contra Dilma e que estava recolhido para não "aparentar que estaria praticando algum gesto com vistas a ocupar o lugar" da presidente. Além disso, ele diz que "precisa estar preparado para enfrentar os graves problemas que hoje afligem o país".
Críticas até da oposição
O gabinete de Temer confirmou a veracidade da gravação de quase 14 minutos e disse que ele enviou o áudio "por acidente" aos correligionários. "Trata-se de um exercício que o vice-presidente estava fazendo em seu celular e que foi enviado acidentalmente para a bancada", afirmou em nota.
A reação dos aliados de Dilma foi imediata. O ministro-chefe do gabinete pessoal de Dilma, Jacques Wagner, afirmou que o vice deveria renunciar ao seu cargo após a votação do impeachment na Câmara e a eventual permanência de Dilma no poder para ser coerente com a "atitude golpista".
Ele declarou, ainda, que Dilma "ouviu e ficou perplexa". "[A gravação de Temer] rasga uma fantasia de patrocinador e maior beneficiário neste golpe."
Até mesmo líderes da oposição criticaram a ação do vice-presidente. O líder da minoria no Congresso, Mendonça Filho (DEM-PE), disse que a gravação foi um "equívoco".
"Não sou a favor de antecipar etapas, e o vice-presidente, um homem experiente na política, certamente sabe disso. Com certeza a gravação fazia parte de um exercício e hipótese", afirmou.
Histórico de fogo amigo
Não é a primeira vez que Temer entra numa saia-justa com Dilma Rousseff. No último episódio, em dezembro, o vice acirrou a crise política ao enviar uma carta à presidente afirmando que era tratado como figura "decorativa" por Dilma, apesar de, segundo ele, ter se mantido leal ao governo.
Em agosto, quatro meses depois de ser escolhido como novo articulador político do governo, Temer anunciou que deixaria a função. No início do mesmo mês, o vice-presidente afirmou, após se reunir com líderes da base aliada, que o Brasil precisava de "alguém que tenha a capacidade de reunificar a todos".
Em fevereiro do ano passado, o PMDB e o PT tiveram posições contrárias no apoio aos candidatos à presidência da Câmara dos Deputados. Na época, Temer e sua legenda defenderam a candidatura vencedora de Eduardo Cunha, que não era considerado um aliado confiável pelo governo.