Wim Wenders: até o fim do mundo
14 de agosto de 2005Uma catástrofe nuclear ameaça a humanidade. E a jovem Claire segue um homem misterioso em sua viagem pelo mundo, por todo o globo terrestre. O filme Até o Fim do Mundo (1991), de Wim Wenders, une história de amor, road movie e ficção científica.
Este é um exemplo típico do estilo de produção e narração desse diretor obstinado. Quinze anos planejando, locações em quatro continentes e custos de aproximadamente 23 milhões de dólares. “O cinema é o único lugar privilegiado, no qual se pode narrar através de imagens“, explica ele. Até o Fim do Mundo é considerado um dos filmes mais significativos da história do cinema europeu contemporâneo.
Índios e batatas
No fim da década de 50, a cidade de Oberhausen não fazia idéia de como iria contribuir, no futuro, para a história do cinema. Wim Wenders cresceu no pós-guerra alemão, num ambiente de cidade de interior extremamente conservador e católico.
O pai, médico no Hospital St. Joseph, exigia que se freqüentasse missa aos domingos e zelava com todo rigor pela formação escolar do filho. O jovem Wenders pretendia virar padre. Mas o que o interessava de fato eram as fantasias de índio dos primos e os faroestes americanos.
O mito Estados Unidos o atraía mais que uma câmera de oito mm que ganhou de presente. Wenders colecionava discos de Elvis Presley e Roy Orbison, mas os escondia na casa de um amigo, pois o pai não podia ficar sabendo.
Após concluir o segundo grau, em 1963, Wenders seguiu inicialmente a trajetória do pai. Após dois semestres de Medicina e mais dois de Filosofia, ele interrompeu os estudos. Há um certo tempo, já tentava se redimir do árido cotidiano universitário, dedicando-se à pintura em aquarela, esboçando paisagens e lendo os clássicos da literatura.
Através de uma assistência na filial da United Artists em Düsseldorf, Wenders entrou em contato com o mundo do cinema, mesmo que a experiência não tenha sido das melhores. “Vi como o pessoal administrativo falava de cinema como se falasse de batatas ou dos preços de abate“, descreveu Wenders esta sua experiência. Sua permanência em Paris, no entanto, viria a ser mais proveitosa.
Na terra prometida
Ao chegar à capital francesa, sua carreira parecia chegar ao fim, antes mesmo de ter começado. O plano de estudar na mais renomada escola superior de cinema de Paris fracassou. O jovem alemão nem sequer recebeu a chance de concorrer a uma vaga.
Foi assim que começou sua formação particular em cinema, diariamente às duas da tarde, numa das salas da cinemateca. Assistiu a mais de mil filmes, antes de ser aceito para estudar na recém-inaugurada Escola Superior de Cinema e Televisão de Munique.
Três anos depois, após ter rodado um punhado de curtas e escrito uma quantidade homérica de críticas, Wenders concluiu a universidade com o filme Summer in the City (1970) um road movie rodado no triste inverno de Berlim.
Depois filmou O Medo do Goleiro diante do Pênalti (1971), baseado num romance de Peter Handke, e conquistou reconhecimento artístico com Alice nas Cidades (1973). O cinema de autor estabelecido por Wenders não tardou a atrair atenção internacional. Sua fama chegou então à terra prometida da infância.
Aceitando um convite do diretor e produtor Francis Ford Coppola, Wenders partiu imediatamente para os Estados Unidos. Após a proposta de diferentes roteiros para o filme Hammett, o projeto fracassou definitivamente. O estilo de produção e narração de Wenders não combinava com a forma de trabalho da fábrica de sonhos comercial norte-americana. Decepcionado e desiludido, ele retornou à Europa em 1982.
Anjos sobre Berlim
Após o sucesso do filme Paris, Texas (1984), Wenders começou a financiar ele mesmo seus outros projetos. Seu maior êxito foi o filme Asas do Desejo, com roteiro de Peter Handke, e cujo título no original é Der Himmel über Berlin (O Céu Sobre Berlim), igualmente festejado por público e crítica.
A história de um anjo que se apaixona por uma trapezista de circo ganhou em 1987 o Prêmio de Cinema Alemão, o prêmio de melhor direção em Cannes e o prêmio da crítica em Los Angeles. A partir de então, Wenders passou a ser considerado o mais significativo diretor de cinema de autor do mundo.
Depois disso, porém, teve dificuldades de corresponder às altas expectativas do público e da crítica. A continuação de Asas do Desejo fracassou. Apesar de um elenco de renome, o filme Tão Longe, Tão Perto (1993) não convenceu. A Palma de Ouro concedida em Cannes foi interpretada como premiação pelo conjunto da obra de Wenders.
Entre rejeição perplexa e euforia incondicional
O público passou a oscilar cada vez mais entre uma rejeição perplexa e uma euforia incondicional. Nem todos podiam ou queriam seguir as imagens e visões de Wim Wenders.
Com o documentário Buena Vista Social Club (1998), o cineasta conseguiu atingir novamente o êxito de produções anteriores. A redescoberta de lendários músicos cubanos, antes caídos no esquecimento, virou um sucesso de bilheteria e desencadeou uma nova onda da música do país em todo o mundo.
Às margens do cinema
Nos anos seguintes, Wenders passou a se dedicar a outras atividades. Começou a fotografar, arriscou uma peça publicitária pela prevenção de câncer de intestino e fez um videoclip para a banda Die Toten Hosen. Participou do júri em Cannes e ainda assumiu a presidência de diversas academias de cinema.
Além disso, virou professor da Escola Superior de Cinema de Munique e recebeu o título de doutor honoris causa na Sorbonne. O cineasta premiado incontáveis vezes começou então a rodar o mundo. Morou alternadamente em Berlim e Los Angeles, onde – apesar de antenas de satélite novinhas em folha – mal tinha tempo de assistir às transmissões de futebol de seu país.
Mas depois Wenders teve chance de apreciar o futebol alemão ao vivo, em Hamburgo. Sua função de professor de Mídia da Escola Superior de Artes Plásticas o levou a se estabelecer na cidade hanseática em 2002.
Tecnologia digital: nova forma de pensar
O que atraiu Wenders foi o processo digital. “A transferência para a tecnologia digital representa uma revolução comparável à transição do filme mudo para o cinema falado na década de 20. Vejo uma grande chance nesta imensa ruptura que está por vir e mudar a nossa forma de pensar“, explica o diretor.
Em 2004, Wenders rodou Terra da Fartura, que novamente tem os EUA como cenário, desta vez com referências à atomosfera no país depois do 11 de setembro e da guerra do Iraque. Ao último festival de Cannes Wenders levou Don't Come Knocking, no qual retoma o viés temático do estar on the road e as contradições do "sonho americano".
Durante o Festival de Cinema de Locarno, que chegou ao fim no sábado (13/08) – um dia antes de seu aniversário de 60 anos –, Wenders foi homenageado com um Leopardo de Ouro pelo conjunto de sua obra. O comentário do cineasta em entrevista a um jornal suíço foi o seguinte: "O prêmio não é nada mau, mas acho estranho que ele tenha um subtítulo pela obra completa. Tenho que pensar muito bem se vou realmente parar por aqui".